Este estudo se concentra na fase inicial da filosofia posterior de Schelling nos anos fundamentais de 1809-1815. Sua tese é que a nova ontologia e a teologia filosófica de Schelling nesse período tomaram forma sob a influência decisiva do pensamento de Jacob Boehme (1575-1624). Em três grandes obras, Schelling se apropriou de muitas das ideias de Boehme, desenvolveu-as de maneira mais sofisticada do que Boehme e as integrou em seu próprio sistema filosófico revisado. Com a ajuda de categorias adotadas de Boehme, Schelling se afastou do idealismo objetivo de sua juventude e elaborou um voluntarismo metafísico que o levou à sua posterior “filosofia positiva”.
O pensamento de Jacob Boehme desafia uma classificação exata. É teologia, teosofia ou filosofia? Ele exemplifica um modo de conhecimento melhor descrito como misticismo ou como especulação racional? Seus escritos contêm as profundas percepções de um gênio metafísico, as divagações de uma mente aberrante ou talvez uma mistura de ambos? Seja qual for a resposta, não se pode negar que Boehme oferece uma solução muito incomum para o problema perene do mal. Além disso, sua teodiceia implica uma compreensão muito complexa da natureza de Deus, uma visão distinta da relação do mundo com Deus e uma explicação correlativa do conhecimento humano de Deus e das criaturas. A maneira própria de Boehme de combinar temas para resolver esses problemas não tem precedentes na tradição ocidental. Apesar de seu caráter inovador e, às vezes, profundo, a maioria das histórias da filosofia e da teologia situa Boehme bem fora da corrente principal do pensamento ocidental. Descartam seus inúmeros livros como repetitivos, obscuros e confusos, contendo imagens vívidas em vez de análises precisas. Durante dois séculos, os devotos de Boehme quase não tiveram influência sobre a tradição acadêmica da filosofia e da teologia. No início do século XIX, entretanto, Boehme foi “redescoberto” pelos filósofos alemães, especialmente por Franz von Baader (1765-1841) e por Schelling. Como Schelling, como filósofo de grande estatura, era o mais famoso dos dois, foi em seu pensamento que a herança de Boehme entrou em contato mais amplo com a tradição filosófica predominante.
O fato de Schelling se apropriar de categorias de Boehme é quase universalmente reconhecido hoje em dia nos estudos sobre Schelling. O que não é reconhecido é a grande extensão em que as obras de 1809-1815, em seus detalhes e em seu caráter inovador para sua filosofia subsequente, são constituídas pelo uso livre de Schelling das ideias de Boehme e sua reação a elas. Antes de demonstrar a veracidade dessa afirmação por meio de uma interpretação detalhada, entretanto, é desejável dar uma indicação preliminar das posições comuns a ambos os autores, para o benefício do leitor que não está familiarizado com essa vertente desviante da tradição ocidental.