René Guénon — O SIMBOLISMO DA CRUZ
Alguns escritores ocidentais, com pretensões mais ou menos iniciáticas, tentaram dar à cruz um significado exclusivamente astronômico, dizendo que ela é “um símbolo da junção crucial formada pela eclíptica e pelo equador”, e também “uma imagem dos equinócios, quando o sol, em seu curso anual, cobre sucessivamente esses dois pontos”. Na verdade, se é isso, é porque, como indicamos acima, os fenômenos astronômicos podem, de um ponto de vista mais elevado, ser considerados como símbolos, e que podemos encontrar neles, assim como em qualquer outro lugar, essa figuração do “Homem Universal” a que aludimos no capítulo anterior; mas, se esses fenômenos são símbolos, é óbvio que eles não são a coisa simbolizada, e que tomá-los como a coisa simbolizada constitui uma inversão das relações normais entre as diferentes ordens de realidade1. Quando encontramos a figura da cruz em fenômenos astronômicos ou outros, ela tem exatamente o mesmo valor simbólico que aquela que nós mesmos2 podemos desenhar; isso apenas prova que o verdadeiro simbolismo, longe de ser artificialmente inventado pelo homem, é encontrado na própria natureza, ou, melhor dizendo, que toda a natureza é apenas um símbolo de realidades transcendentes.
Mesmo se restabelecermos a interpretação correta do que estamos falando, as duas frases que acabamos de citar contêm um erro: por um lado, a eclíptica e o equador não formam a cruz, porque esses dois planos não se cruzam em ângulos retos; por outro lado, os dois pontos equinociais estão obviamente unidos por uma única linha reta, de modo que, aqui, a cruz aparece ainda menos. O que realmente temos de considerar é, por um lado, o plano do equador e o eixo que, unindo os polos, é perpendicular a esse plano; por outro lado, as duas linhas que unem respectivamente os dois pontos solares e os dois pontos equinociais; temos, portanto, o que pode ser chamado, no primeiro caso, de cruz vertical e, no segundo, de cruz horizontal. Juntas, essas duas cruzes, que têm o mesmo centro, formam a cruz tridimensional, cujos ramos estão orientados nas seis direções do espaço3; eles correspondem aos seis pontos cardeais, que, junto com o próprio centro, formam o septenário.
Talvez valha a pena lembrar aqui, embora já o tenhamos feito em outras ocasiões, que foi essa interpretação astronômica, sempre inadequada em si mesma e radicalmente falsa quando pretende ser exclusiva, que deu origem à famosa teoria do “mito solar”, inventada no final do século XVIII por Dupuis e Volney, depois reproduzida por Max Müller e, ainda hoje, pelos principais representantes da chamada “ciência das religiões”, que é impossível levarmos a sério. ↩
Deve-se observar, além disso, que o símbolo sempre mantém seu próprio valor, mesmo quando é desenhado sem intenção consciente, como acontece, em particular, quando certos símbolos mal compreendidos são mantidos simplesmente como ornamentação. ↩
Há seis direções, mas apenas três dimensões, cada uma com duas direções diametralmente opostas. Por exemplo, a cruz de que estamos falando tem seis ramos, mas é composta de apenas três linhas retas, cada uma delas perpendicular às outras duas; cada ramo é, em linguagem geométrica, uma “meia linha” apontando em uma determinada direção a partir do centro. ↩