Homem Universal (Enel)

Enel1966

Após esta breve introdução, podemos abordar o que constitui propriamente o tema do presente capítulo. Dissemos que o corpo do homem havia sido modelado pelo Criador, ou, mais exatamente, pelos Aelohim (Nós-os-deuses, em outras palavras: as forças da natureza). A alma era, em geral, representada sob a forma de um pássaro fantástico tendo frequentemente, além de suas patas e asas, um par de braços humanos, que ele erguia no gesto convencional da adoração ou da prece. O pássaro, na mitologia egípcia, desempenhava um grande papel, assim como o réptil. Como nos ensina o Gênesis, os répteis e os pássaros foram os primeiros seres possuindo uma vida individual que apareceram sobre a terra. Isso é confirmado pelos textos egípcios, onde se diz que os répteis foram as primeiras criaturas a saudar a gloriosa aparição do disco solar elevando-se acima da pró-matéria.

Portanto, a representação da alma humana sob a forma de um pássaro estabelece um elo entre a primeira forma de vida individualizada (o réptil ou o pássaro) e o coroamento da Criação: o homem. O fato de que este pássaro particular, chamado RKHIT, seja provido de mãos simboliza o trabalho que o ser dotado de razão deve realizar, e a posição particular de suas mãos e braços mostra que este trabalho deve ser orientado para a glorificação do Criador. É igualmente importante notar que a raiz fonética da qual é formado o nome deste pássaro fabuloso é RKH, que significa: « conhecimento ». Da mesma raiz são formadas as palavras que significam: « o sábio, o mago » e, de maneira geral, o homem razoável, capaz de tirar deduções práticas daquilo que sabe.

É de se notar que os Egípcios usavam diferentes denominações para expressar as faculdades do ser humano. Assim, por exemplo, o homem, julgado do ponto de vista de sua formação material, era chamado, seja: « Pat », palavra que designa um tipo de pão ao qual o padeiro dá uma certa forma, seja: « Khnoumou », que designa o vaso de argila modelado pelo oleiro.

Para expressar a ideia de que o homem foi criado à imagem de Deus, os textos empregam, para o homem universal, a denominação: TEMOU. O leitor se lembra que o Criador do mundo é Tem. Colocado no plural (Temou) o mesmo nome mostra que a humanidade representa parcelas do grande Criador do universo. Veremos mais adiante como a mesma ideia recebeu uma representação gráfica no ensinamento egípcio.

No que concerne à composição do ser humano, a doutrina egípcia o faz consistir em nove elementos distinctos. Não podemos estabelecer de forma certa se esses nove elementos representam a totalidade do ternário humano, ou se eles concernem apenas às diferentes faculdades da alma, deixando de lado o corpo e o espírito. O ensinamento da Cabala que, como veremos no próximo capítulo, faz consistir igualmente o homem em nove elementos, parece considerá-los como pertencendo apenas à alma, ou, em outras palavras, à parte que liga o espírito e o corpo. Pessoalmente, penso que o ponto de vista dos Egípcios era o mesmo.

Cada um desses nove elementos tinha uma designação particular e exercia uma função mais ou menos definida.

Antes de começar a análise dessas nove partes, chamo novamente a atenção do leitor para outra particularidade do Ensinamento egípcio. Segundo ele, existia uma alma universal, fonte comum da qual eram tiradas e como que postas à parte todas as almas humanas individuais. Esta alma universal levava o nome de Hammamit, cujo sinal determinativo representava o sol espalhando seus raios. Podemos então compreender, segundo o significado ideográfico deste sinal, que a alma humana é « um raio do sol », o qual — lembra-se — é o deus Rá, o Logos. Existe um texto que diz que os seres humanos foram criados « das lágrimas de Deus ». Ora, a palavra que designa as lágrimas era RMYT, e era determinada por um olho do qual se derramam raios (lágrimas). Como se sabe, o sinal do olho era um daqueles que caracterizavam o deus-sol — « o olho criador do céu ».

O sinal Hammamit (o sol espalhando seus raios) e o do olho em lágrimas são estreitamente aparentados, tanto no plano da representação ideográfica quanto no que concerne ao significado simbólico.

Durante a formação do feto no corpo de sua mãe « material », a mãe simbólica, o abutre Mut, tirava do Hammamit, uma após a outra, as nove partes chamadas a compor a alma da criança. Estas partes eram consideradas pelos Egípcios como véus envolvendo a individualidade (ou o espírito) do recém-nascido. Encontramos a mesma metáfora, comparando a alma a uma espécie de véu ou envelope, no livro do Gênesis, mais precisamente na passagem que descreve a criação da « mulher ». Diz-se no texto original que, a fim de formar a esposa espiritual (livre-arbítrio), Deus tomou um dos envelopes que recobriam o ser de Aish (a razão) que ele modelou para que fosse a companheira do homem, chamando-a Aisha. Na tradução da Vulgata, esta passagem de alcance altamente filosófico é interpretada da maneira mais materialista: a mulher sendo criada « da costela de Adão ».

 

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