Excertos da tradução em português de Dimas David Santos Silva, do livro de Steven Wasserstrom, “Religion after Religion“
Eliezer Schweid e Susan Hendelman mostraram que, para Gershom Scholem, a distinção goetheana entre símbolo e alegoria ‘tem o status de um princípio metodológico’. Não fica claro se Scholem ou Benjamin teve primeiro a ideia. De acordo com David Biale, Benjamin tomou primeiro a ideia de Goethe. Jeffrey Mehlman observa que:
Parece que Benjamin renegou a alegoria, rejeitando a simbologia romântica de Scholem. No final, eles divergiram, ainda que concordassem quanto à importância geral do problema.
Como já observei, Jung disse algo similar, que o símbolo só pode ser traduzido em outro símbolo.69 Eliade notou simplesmente que o símbolo ‘não pode ser sempre traduzido em conceitos’. Paul Ricoeur desenvolveu este ponto em seu Simbolismo do Mal, um livro explicitamente calcado em Eliade.
Símbolo e alegoria, portanto, não estão no mesmo caminho: o símbolo origina a hermenêutica; as alegorias já são hermenêutica. Isto é assim porque o símbolo apresenta seu significado transparentemente, de um modo inteiramente diferente da simples tradução. … Ele apresenta seu significado na transparência opaca de um enigma e não pela tradução. Daí eu coloco, de um lado, a doação do significado em trans-aparência dos símbolos, com a interpretação por tradução das alegorias.
Embora Scholem e Eliade tenham sido unânimes em relação ao contraste alegoria/símbolo, foi Henry Corbin quem devotou suas amplas energias filosóficas a articular sua necessidade. Em sua defesa definitiva do mundus imaginalis, ele fez isto tão poderosamente quanto o faria com qualquer parte de seu corpo:
Ele reiterou este credo simbológico, definido por sua ardente oposição à alegoria, por toda a sua obra, tanto que se pode dizer que criou uma filosofia esotérica das formas simbólicas sem paralelo neste século. Dada a negligência de comparações em que parece ter caído, talvez valha a pena citar algumas de suas reflexões que encerram uma certa importância:
O símbolo não é um signo artificialmente construído; ele floresce na alma espontaneamente para anunciar algo que não pode ser expresso de outra maneira; é a expressão única da coisa simbolizada como de uma realidade que assim se torna transparente para a alma, mas que em si transcende toda expressão. Alegoria é uma figuração mais ou menos artificial de generalidades ou de abstrações que são perfeitamente reconhecidas ou expressas de outra maneira. O exegeta deve tomar cuidado para não fechar para si mesmo a estrada para o símbolo, que leva para fora deste mundo.
Para o leitor francamente exotérico, o que parece ser o verdadeiro senso é a leitura literal. O que alguém lhe propõe como o senso espiritual parece a ele o senso metafórico, como uma alegoria que ele confunde com o símbolo. Para o esotérico e o oposto: o assim chamado senso literal é apenas uma metáfora (majâz). O verdadeiro senso (haqiqat) é o evento que esta metáfora encerra.
A diferença entre ‘símbolo’ e o que hoje é geralmente denominado ‘alegoria’ é simples de dimensionar. Uma alegoria permanece no mesmo nível da evidência e da percepção, enquanto um símbolo garante a correspondência entre dois universos que pertencem a diferentes níveis ontológicos: é o meio, e o único, de penetrar no invisível, no mundo do mistério, na dimensão esotérica.
Alegoria é racional, permanece com seu significado em planos idênticos de consciência, enquanto o símbolo anuncia um plano de consciência distinto da evidência racional; é a chave de um mistério, o único meio de dizer alguma coisa que não pode ser apreendida de outra maneira; um símbolo nunca é explicado completamente, mas deve ser decifrado continuamente, assim como uma partitura musical nunca é decifrada totalmente, mas pede sempre nova execução.
Corbin, dos três historiadores da religião (Scholem, Eliade e Corbin), desenvolveu a teoria esotérica de simbolismo mais completa e mais sofisticada.