Aldous Huxley: A FILOSOFIA PERENE

Não sou competente, nem este é o lugar para discutir as diferenças doutrinárias entre o Budismo e o Hinduísmo. Será suficiente apontar que, quando ele insiste que os seres humanos são, por natureza, “não Atman”, o Buda estava evidentemente falando do ser pessoal, e não do Ser Universal. As controvérsias bramânicas que aparecem em certas escrituras pális nunca mencionam a doutrina vedanta da identidade do Atman e da Divindade e da não-identidade do ego e do Atman. O que eles defendem e o Buda nega é a natureza substancial e a permanência eterna da psique humana. “Assim como um homem ignorante busca a morada da música no corpo do alaúde, ele procura por uma alma dentro das skandhas” (os agregados materiais e psíquicos que compõem o corpo e a mente individual). Acerca da existência do Atman que é Brahman, bem como a respeito de outros assuntos metafísicos, o Buda declinava de falar, dizendo que tais discussões não tendem à edificação ou ao progresso espiritual entre os membros da ordem monástica, tal como ele fundou. Mas, apesar de seus perigos, embora possa tornar-se a coisa mais absorvente, a mais séria e nobre das distrações, o pensamento metafísico é inevitável e necessário. Até os hinayanistas reconheceram isso, e os posteriores mahayanas iriam desenvolver, em conexão com a prática de sua religião, um sistema imponente e esplêndido de pensamento cosmológico, ético e psicológico. Este sistema é baseado nos postulados de um estrito idealismo e dispensava a ideia de Deus. Mas a experiência moral e espiritual era muito forte para a teoria filosófica, e sob a inspiração da experiência direta, os escritores dos sutras mahayanas usaram toda sua ingenuidade para explicar por que o Tathagata e os Bodhissattvas revelavam uma infinita caridade em relação a seres que não existiam realmente. Ao mesmo tempo eles reforçavam a moldura de um idealismo subjetivo, a fim de encontrar espaço para uma Mente Universal; qualificavam a ideia da inexistência da alma com a doutrina de que a mente individual, se purificada, poderia identificar-se com a Mente Universal ou o ventre de Buda; e, apesar de manter a inexistência de um deus, asseveravam que essa Mente Universal realizável é a consciência interna do Buda Eterno e que a mente de Buda está associada a um “grande coração compassivo” que deseja a libertação de todos os seres vivos e concede a graça divina a todos que fizerem um esforço sério para alcançar a suprema finalidade humana. Numa palavra, a despeito do vocabulário não muito feliz, o melhor dos sutras mahayanas contém uma autêntica formulação da Filosofia Perene — uma formulação que, em alguns aspectos (como veremos ao chegar ao capítulo “Deus no Mundo”), é mais completa do que qualquer outra.