Attar (CP) – Conferência dos Pássaros (síntese)

ATTAR — A CONFERÊNCIA DOS PÁSSAROS

Notável resumo de Christopher Fremantle (desenhos de Rosemary Nott), publicado no livro “A Busca”, org. por Jean Sulzberger

A PARÁBOLA DA BUSCA DE FARID UD-DIN ATTAR

Desde os tempos bíblicos o símbolo do pássaro em pleno voo, liberando-se em outra dimensão,1, tem sido central na literatura poética e mística do Oriente Próximo. Quando a Arca ainda oscilava sobre as águas, depois que apareceram os picos das montanhas, o corvo foi lançado ao ar e “voou de um lado para outro”. Num mundo desconhecido, a única realidade era sua própria imagem, refletida nas águas cósmicas. Sem o símbolo escuro anterior, a missão da pomba teria sido menos significativa, pois a folha de oliveira oferecida em seu bico silencioso denota sobrevivência mais do que busca.

Quando se restabeleceu um modo de vida entre os vales, os desertos e as cadeias de montanhas, a busca prosseguiu. Tornou a aparecer o corvo, para sustentar Elias no vale do Jordão; mais tarde ainda a pomba foi novamente vista, silenciosa mas acompanhada de palavras simbólicas; e a voz essênia, “a voz de alguém que grita no deserto”, se ouviu. Esse grito, que ecoou do Jordão ao Nilo, dos desertos do Egito aos da Arábia deserta; do Hejaz ao vale do Eufrates, num retorno à sua fonte antediluviana.

Em Bagdá, naquele vale, três séculos antes, Attar al-Hallaj cantara em êxtase:

Eu sou Aquele que eu amo, e Aquele que eu amo sou eu;
Somos dois espíritos que moram num corpo só.
Se me vires, estarás a vê-lo,
E se O vires, a ambos nos verás.

Por essas palavras ele foi julgado, torturado e crucificado. O espírito ardente de al-Hallaj, depois do longo e lento crescimento e florescimento da poesia mística no Khorasan, inspirara Attar; pouco antes do seu tempo, Sana’i escrevera um qasida, “A Litania dos Pássaros “, em que cada pássaro louva a Deus à sua maneira. Terá a ideia de Sanai inspirado Attar? Não o sabemos.

A pobreza dos nossos conhecimentos acerca de muitos grandes poetas e místicos persas os envolve como a remendada e puída khirka dos sufis envolve o seu dono. Esses homens, que levavam uma existência de piedade e ascetismo, jejum e oração, buscavam o anonimato. Nem mesmo as datas da vida de Attar podem ser fixadas com certeza. Sabe-se dele que era farmacêutico de ofício, que viveu no Khorasan na última parte do século XII e em boa parte do século XIII, e que escreveu muito. A Conferência dos Pássaros é a sua obra mais famosa.

A própria falta de datas revela a visão que deu origem a esse tipo de literatura — em que o mesmo mundo é apenas a sombra de sua divina causa. Segundo as palavras de Attar:

Se o Simurgh não tivesse desejado manifestar-se, não teria projetado a sua sombra; se tivesse desejado permanecer escondido, sua sombra não teria aparecido no mundo.

A Conferência dos Pássaros é a história da busca do Simurgh, o Rei dos pássaros, sob a liderança da Poupa; uma vez que ela havia sido confidente de Salomão e recebera dele a sua coroa, todos os pássaros do mundo se reuniram e lhe prestaram atenção enquanto falava:

Não imagineis que o percurso seja curto; e cumpre ter um coração de leão para percorrer essa estrada insólita, pois é muito longa e o mar é fundo… O homem não precisa proteger sua alma do amado, mas precisa estar preparado para levá-la à corte do rei.

Muitos pássaros presentes principiaram a escusar-se; finalmente, os resolutos encetaram juntos a jornada.

O caminho deles passava por sete vales: o da Busca, depois o do Amor, o da Compreensão, o do Alheamento, o da Unidade, o vale da Perplexidade e, finalmente, o vale da Morte. Na sua descrição o contraste entre a luz do sol e a sombra da realidade é completo:

Quando entrares no primeiro, o Vale da Busca, cem dificuldades te assaltarão, serás submetido a uma centena de provas. . . Ali terás de passar vários anos, terás de fazer grandes esforços e modificar o teu estado.

Attar atenua essa vividez para o leitor com inúmeras alegorias, digressões, narrativas e parábolas poéticas, que transmitem um sentido de vida sem fim dentro do trivial, acentuam uma dimensão do espírito dentro do voo da alma em busca da verdade. Na versão aqui apresentada, omitem-se algumas passagens e, às vezes, a concentração da luz é difícil de suportar, como o foi para a própria companhia dos pássaros:

Por fim, somente um pequeno número de toda a grande companhia chegou ao lugar sublime a que a Poupa os conduzira. Dos milhares que haviam iniciado a viagem quase todos tinham desaparecido. . . Muitos, que se tinham aventurado por curiosidade ou desfastio, morreram sem ter tido uma ideia sequer do que se mostravam decididos a encontrar.

Finalmente, tendo deixado para trás o Vale da Morte, os trinta pássaros que ainda estão juntos chegam ao termo da jornada. No palácio do Simurgh são recebidos por um nobre camarista que, tendo-os primeiro posto à prova, abre a porta e então:

Quando ele abriu uma centena de cortinas, uma atrás da outra, revelou-se-lhes um novo mundo além do véu.

 


  1. desprendimento|libertado das forças que prendem o homem à terra 

Conferência dos Pássaros