Conferência dos Pássaros — O PAVÃO
O Pavão
Em seguida veio o Pavão dourado, com penas de cem — como direi? — de cem mil cores. Exibia-se, virando-se de um lado para outro, como se fosse uma noiva.
— O pintor do mundo — jactou-se — pegou na mão o pincel do djim para modelar-me. Mas se bem eu seja um Gabriel entre os pássaros, não me invejem a sina. Eu me dava bem com a serpente no paraíso terreno, e por isso fui ignominiosamente escorraçado de lá. Os que confiavam em mim privaram-me de uma posição de confiança, e meus pés foram minha prisão. Mas estou sempre à espera de um guia benevolente que me conduza para fora desta escura morada e me leve às mansões eternas. Não espero chegar ao Rei de que falais, bastar-me-á chegar ao seu portão. Como podeis esperar que me esforce por alcançar o Simurgh se já vivi no paraíso terreno? Não tenho outro desejo senão voltar a morar lá. Nada mais tem qualquer sentido para mim.
Redarguiu a Poupa:
— Estás-te desviando do verdadeiro Caminho. O palácio deste rei é muito superior ao teu paraíso. Não podes fazer nada melhor do que te esforçares por alcançá-lo. É a morada da alma, a eternidade, o objeto de nossos verdadeiros desejos, a casa do coração, a sede da verdade. O Altíssimo é um vasto oceano; o paraíso da bem-aventurança terrena não passa de uma gotinha; tudo o que não for esse oceano será loucura. Se podes ter o oceano, por que procuras uma gota do aljôfar vespertino? Quem partilha dos segredos do sol há de, acaso, perder tempo com um grãozinho de poeira? Quem tem o todo preocupa-se com a parte? Ocupa-se a alma dos membros do corpo? Se queres ser perfeito busca o todo, elege o todo, sê inteiro.