Balsekar (RBPN) – Nisargadatta, sobre sofrer

Uma das visitas naquela manhã, uma dama, ficou muito comovida com a condição de Maharaj e com a maneira como ele estava sentindo sua dor estoicamente. Ela pensou que a dor física poderia ser ainda pior que a morte. Ela não pôde deixar de contar a Maharaj: Senhor, não tenho medo da morte, mas tenho um medo terrível da dor física. Por favor me diga como poderia me livrar desse medo?

Maharaj riu e disse: Receio não poder ajudá-la por aí, mas tenho certeza de que existem muitos outros que conhecem os métodos de evitar ou diminuir a dor física. Tudo o que posso fazer é te explicar o que é o próprio sofrimento e quem sofre.

Sempre deves ir à raiz do problema. Quando começou a experiência do sofrimento? Tens alguma lembrança de algum sofrimento, digamos, cem anos atrás? Quando a experiência começou? Penses profundamente nisso, para que as respostas a essas perguntas surjam dentro de ti sem nenhuma palavra. É a vida — vivendo a ela mesma — diferente de experienciar; experienciando em duração, momento a momento expandido na horizontal? E o que está experienciando? Não está reagindo a um estímulo externo que é interpretado pelos sentidos como uma experiência — agradável e aceitável, ou desagradável e inaceitável. Não se experiencia sofrimento — se sofre uma experiência agradável ou desagradável.

Agora, a pergunta básica com a qual deves se preocupar é: quem (ou, mais apropriadamente o que) é que sofre uma experiência? Deixe-me dizer-lhe imediatamente: ‘Eu’ não sofro (não posso sofrer) qualquer experiência, agradável ou desagradável; é apenas um ‘tu’ ou um ‘eu’ que sofre uma experiência. Este é um pronunciamento muito importante e você deve refletir profundamente sobre isso.

Eu realmente deveria deixar você resolver este problema por conta própria, ou melhor, deixar o problema resolver por ele mesmo! Mas vamos prosseguir. Não posso sofrer nenhuma experiência, porque sou pura subjetividade sem o menor traço de objetividade, e apenas um objeto pode sofrer. Um ‘eu’ ou um ‘tu’ é um objeto e, portanto, sofre experiência. Além disto, como qualquer outro objeto, um ‘eu’ ou um ‘tu’ não podem ter substância e, portanto, podem existir apenas como um conceito na conscientidade [consciousness]. Além disto, nunca esqueça que é apenas a conscientidade que pode sofrer, porque qualquer reação a um estímulo, que é o que é experienciar, só pode ocorrer através da conscientidade. De fato, portanto, conscientidade e sofrimento são idênticos e não são de forma alguma diferentes. Reflita sobre este ponto muito significativo.

O que digo, acharás bastante difícil de entender porque te identificastes com o corpo, o aparato psicossomático pelo qual uma experiência é sofrida, o instrumento no qual a experiência sofrida é registrada. Perdestes tua identidade com a pura subjetividade, o Absoluto que realmente és, e te identificastes erroneamente com o objetivo ‘eu’; por conseguinte, dizes ‘eu sofro’ e, portanto, estás ‘sujeito’.

Entendes o que tenho dito? Estás ciente da minha verdadeira identidade como intemporalidade, infinito, subjetividade — portanto, não sofro e não posso sofrer. Estou ciente de que é a conscientidade que aparentemente sofre uma experiência através do aparato sensorial. Por outro lado, acreditas que és o aparato sensorial e é esta tua identidade equivocada que é a causa do teu sofrimento e da tua sujeição.

Enquanto houver conscientidade funcionando, mantendo o aparelho sensorial funcionando, também haverá vida, experiência, sofrimento — positivo ou negativo. Mas tu, como ‘eu’, és apenas o testemunhar de tudo. Todo funcionamento é a expressão objetiva de o-que-se-é subjetivamente, e todo ser sensível pode dizer o seguinte: o-que-se-é não pode sofrer nenhuma experiência, apenas um objetivo ‘tu’ ou ‘eu’ pode sofrer uma experiência.

 

Ramesh Balsekar