O que ouvimos são palavras e sons. Infelizmente, as pessoas imaginam (…) que essas palavras, esses sons fazem com que elas percebam a realidade das coisas – o que é um equívoco. Mas não percebem porque, quando percebemos, não falamos e, quando falamos, não percebemos.
As pessoas imaginam que a linguagem as faz compreender a realidade das coisas, diz Chuang-tzu. Eles cometem esse erro porque, diz ele, “quando se percebe, não se fala e (que), quando se fala, não se percebe”. Ele descreve nesta frase uma relação que podemos observar por conta própria. Quando focamos nossa atenção na percepção de uma realidade sensível, fora ou dentro de nós, a linguagem desaparece do centro de nossa conscientidade. Por outro lado, quando usamos a linguagem, podemos não parar de perceber, mas nossas percepções se tornam periféricas, não podemos nos concentrar nelas. Wittgenstein faz uma observação semelhante quando observa: “Quando vejo um objeto, não posso representá-lo para mim”. Ele também observa, inversamente: “Quando nos representamos algo, não observamos”. Valéry comenta em seus Cahiers: “O que penso atrapalha o que vejo – e vice-versa. Essa relação é observável.” É por causa dessa relação inerente ao funcionamento de nossa mente, diz Chuang-tzu, que a linguagem cria uma ilusão: quando falamos, não percebemos mais, de modo que, não percebendo a lacuna entre linguagem e realidade, tomamos sem pensar a linguagem para a expressão adequada da realidade. E quando focamos nossa atenção em uma realidade sensível (por exemplo, em um gesto que estamos desenvolvendo), esquecemos a linguagem e a lacuna também passa despercebida. É obviamente papel do filósofo e do escritor superar essa incompatibilidade natural, confrontar a linguagem e a realidade sensível e corrigir a linguagem quando ela nos engana. Mais uma vez, Chuang-tseu nos faz fazer uma observação essencial.
Os leitores que estão familiarizados com o texto podem pensar que estou divagando. A frase que acabei de comentar, objetam eles, é um velho ditado que todos traduzem como “aquele que sabe não fala, aquele que fala não sabe”. É assim que ela sempre foi traduzida no capítulo 56 do Lao-Tsé, onde também aparece. De onde veio a ideia de traduzir o verbo “saber”, tcheu, por “perceber”? Primeiramente, ela surgiu do desejo de compreender o texto. A tradução usual não faz nenhum sentido, se você pensar bem, nem nessa passagem do Chuang-tseu nem no Lao-tseu. O ditado é absurdo, a menos que assumamos que o saber é secreto ou indizível por natureza. Concluo que a frase foi mal traduzida. Para fugir da paralisante equivalência tcheu/saber, eu a amplio. Por um lado, examino o uso do verbo tcheu em textos antigos e os verbos vizinhos que formam um campo semântico com ele. Em segundo lugar, examino nosso uso do verbo “saber” e outros verbos que formam um campo semântico que corresponde aproximadamente ao campo semântico chinês. Não há necessidade de uma longa investigação. Logo fica claro que, em francês, o verbo ‘savoir’ refere-se a um fato certo ou conhecimento seguro e não implica uma relação próxima com a coisa conhecida. Em chinês, pelo contrário, tcheu implica essa proximidade. Tcheu sempre tem um objeto concebido como presente de uma forma ou de outra. Portanto, o melhor equivalente em francês não é “savoir”, mas sim “appréhender” ou, em alguns casos, “percevoir”. Na passagem que citei, enquanto eu traduzisse tcheu como “saber”, a frase permaneceria obscura. Ao traduzi-la como “perceber”, mostro que ela descreve um fato da experiência de forma precisa e marcante: “quando se percebe, não se fala; quando se fala, não se percebe”. Dentro dos limites do que é lexical e sintaticamente permitido, em última análise, é a experiência que justifica a tradução.
(BILLETER, Jean François. Leçons sur Tchouang-Tseu. Paris: Allia, 2002)