A Vida Tríplice, escrito em 1619, apresenta duas novas e importantes caracterizações de Deus. Primeiro, Deus não é apenas um ser ou uma vontade, mas é a pessoa absoluta. Portanto, Boehme deve elaborar as condições necessárias para a personalidade autoconsciente e aplicá-las à sua doutrina de Deus. Em segundo lugar, a autorrevelação é fundamental para o próprio ser de Deus. Assim, Boehme precisa lidar com o problema do que Deus é à parte de sua auto-manifestação e também com o papel do mundo na auto-revelação de Deus.
À parte de toda manifestação, Deus em si mesmo é uma quietude eterna sem ser ou essência. Não mais chamado de Urkund, pois não tem referência a nada fora de si mesmo, é a liberdade absoluta sem distinção ou determinação. É a pura vontade de se manifestar (3:1-2). Duas pressuposições básicas do pensamento de Boehme vêm à tona aqui. Primeiro, há um impulso intrínseco no indeterminado para se diferenciar, uma tendência universal para que toda a realidade se revele em formas concretas. Em segundo lugar, a autorrevelação do indeterminado se desdobra em contrariedade, de modo que suas diferenciações realizadas são produtos de polaridades de forças opostas. Portanto, a vontade pura de se manifestar só pode fazê-lo por meio de um objeto no qual forças opostas são o veículo para sua automanifestação.
Boehme aborda o problema da autorrealização de Deus por meio das categorias da personalidade. Se Deus, como vontade pura, deve alcançar a autoconsciência, que é a condição indispensável da personalidade, então deve encontrar um meio de se tornar um objeto para si mesmo. Portanto, a vontade produz em si mesma o desejo que, como uma forma determinada de vontade, fornece o contrassenso necessário à vontade pura. O desejo não é livre, sendo uma deficiência, uma busca constante por outra coisa. O desejo se volta para si mesmo e se torna uma segunda vontade, ou seja, uma vontade de ser livre de si mesmo. Assim, o desejo se divide em: 1) um centro escuro (ou centro de natureza, centrum naturae), que é a opacidade do próprio desejo e fonte do primeiro princípio em Deus; 2) um centro de luz, que é a vontade determinada de liberdade engendrada no desejo. Em outras palavras, o Deus que desejava se manifestar teve que se dividir em dois polos como o primeiro estágio para se tornar consciente de si mesmo.
A interação dos dois centros produz a essência de Deus. A luz do segundo centro subordina a si mesma os poderes do primeiro centro, transformando e direcionando suas energias. Assim, forma em si mesma as estruturas orgânicas da sexta e da sétima qualidades. Deus como pessoa é também a plenitude da vida. Sua conquista da autoconsciência por meio da auto-objetificação em um outro (o centro escuro) também serve como o processo de dar a si mesmo uma essência (Wesen) e um ser corpóreo. Liberdade, essência e corpo são todos necessários para que Deus tenha autoconhecimento e vida orgânica (4:5). A Vida Tríplice é o lugar onde Boehme começa a descrever seriamente os estágios do processo não temporal pelo qual Deus realiza a si mesmo.
Várias outras inovações são feitas na Vida Tríplice. Primeiro, Deus cria o mundo finito a fim de revelar nos processos temporais as maravilhas de seu próprio ser eterno (5:81). Ao reforçar assim o papel da criação, Boehme chega muito perto de dizer que a existência do mundo não é contingente, mas é um modo necessário da autoexpressão de Deus. Em segundo lugar, agora descreve o mal como uma perversão da ordem. A desobediência voluntária de uma criatura é demonstrada em sua tentativa de abandonar seu lugar ordenado no esquema da criação e assumir outra posição, contrária à vontade de Deus e à sua própria natureza (6:84-91 (6:88-92)). Por fim, o papel da humanidade como intermediária entre este mundo e os anjos é evidente no poder da fala. O pensamento humano extrai as estruturas dos seres do mundo, e a linguagem, por sua vez, as expressa. É por meio da consciência e da linguagem humanas que a autorrevelação de Deus no mundo recebe seu atestado decisivo (6:1-6 (6:1-4)).