Com efeito, nos é impossível viver, sentir ou agir sem pronunciar a palavra “eu”. Cada um diz “eu penso, eu desejo, eu sou…”. O que o termo “eu” denota é portanto uma existência evidente por ela mesma. Mas não somos jamais indagados o que esta palavra guarda? O conselho invariável de Ramana Maharshi é que cada um deve se perguntar: “Quem é este ‘eu’?” e assim alcançar a descobrir por si mesmo o “Eu” real. Cada um diz “eu vou, eu venho, etc.”. É uma experiência de todos os dias que nos faz pensar facilmente que a consciência do “eu” é o verdadeiro sujeito. Mas qual é esta consciência e qual é o sujeito? Ações tais como ir ou vir concernem quase exclusivamente o corpo e quando se diz “eu vou” ou “eu venho” esta asserção nos conduz facilmente ao pensamento que é o corpo que é o “eu”. Todavia, o corpo em si mesmo é inerte. Como poderia ser em verdade o “eu”? O corpo não existia antes de ser nascido, e não será senão um cadáver depois da morte. Logo é muito fácil compreender que o corpo não é o “Eu”. No entanto, o que é a consciência do “eu”? (Self Inquiry, n 2-3)
Poderia então se voltar para o mental, esta força misteriosa que reside no Si Mesmo e que produz todos os pensamentos, que, por outro lado, é feita deles e logo de mesma natureza (Who am I, n. 8). Mas aí ainda,em contemplando a atividade normal, cotidiana do homem, o primeiro pensamento a ponderar será aquele do “eu” (do egotismo). Há portanto lugar de busca então de onde este provém.
Abandonai todos os pensamentos tocando o corpo ou o universo fenomenal. Não procures descobrir porque ou como estes fenômenos aparecem. Buscai sempre a não desvelar senão a natureza real de vosso si mesmo. O Si Mesmo ou Consciência pode ser realizado pela interrogação no mental: “Quem sou eu?” Deixe o corpo permanecer inerte como um cadáver, sem mesmo pronunciar a palavra “eu”. É a este momento que uma iluminação silenciosa da forma de um “eu-eu” poderia brilhar no Coração (centro do homem). Isto é dizer que, uma vez desaparecidos os pensamentos contingentes e limitados, a consciência pura, que é Una e não limitada, pode brilhar de seu próprio brilho. (Self Inquiry n. 3).
Permanecendo tranquilo e sem abandonar este exercício, que deve se fazer continuamente e sem interrupção, o egotismo, o pensamento que sou o corpo, vai se destruir completamente e, para concluir, mesmo o pensamento “quem sou eu” vai se extinguir como a cânfora que o fogo queima sem deixar cinzas. Este é o momento que a realização do Si Mesmo terá lugar (Self Inquiry n. 3). É pela investigação de “quem sou eu? ” que o pensamento mesmo de “quem sou eu?” vai destruir todos os outros. E ao final ele vai se extinguir ele mesmo, como a vara que se emprega para mexer o fogo da lareira queimando (Who am I, n. 10).
O mental, embora seja uma força misteriosa, não é diferente do ego. Manifesta-se por meio dos sentidos e desfruta das experiências. Ao fazer isso, se identifica com o corpo. É por isso que deve “voltar-se”, ir para dentro, procurar sua natureza e sua fonte, e esta deve ser uma investigação firme e contínua. É verdade que, quando exploramos a origem do “eu”, mil pensamentos, dúvidas e perguntas inúteis surgirão em nosso mental e se tornarão obstáculos. Não tente entender esses pensamentos ou esclarecer essas dúvidas, não tente dar uma resposta. Simplesmente pergunte a si mesmo: “A quem se dirigem esses pensamentos?” Obviamente, a resposta é “a mim”, portanto, voltamos imediatamente à pergunta “quem sou eu?” e o mental “volta”, “retorna à sua fonte”, e o pensamento que foi criado como obstáculo desapareceu (“Quem sou eu?” n° 11). Esses pensamentos devem ser destruídos imediatamente pela pesquisa e no próprio local onde nasceram. (Caderno de anotações de S. Pillai e “Who am I?” nº 19).
O que se apresenta no corpo como “eu” é o mental. Se, por outro lado, perguntarmos onde, em que parte do corpo, surge o pensamento do “eu”, descobriremos que é no coração. Esse é o local de origem do mental e, mesmo quando alguém passa a pensar constantemente “eu-eu”, ele é levado a esse local. De todos os pensamentos que surgem no mental, o primeiro é o do “eu”. É somente depois disso que todos os outros surgem (“Quem sou eu” nº 9). Entretanto, é necessário que o mental pratique permanecer aaí até a destruição do pensamento “eu”, que é, ao mesmo tempo, a forma de ignorância que reside no coração. (“Self Inquiry” nº 36). Isso será alcançado por meio de exercícios repetidos para eliminar os obstáculos que se interpõem no caminho. Dessa forma, o mental desenvolverá sua capacidade de permanecer em sua fonte, sem vagar ou ser apanhado na rede de pensamentos que ele mesma criou. É então que ele pode se tornar forte e “reunido na finura de um ponto”, e que a busca pelo Ser se torna fácil. Por meio da busca de “quem sou eu?”, o mental se estabelece em seu próprio estado puro e fica em paz.
“Permaneça como testemunha de tudo o que está acontecendo” é outro dos preceitos de Maharshi. Adote a atitude de alguém que diria: “Deixe as coisas estranhas acontecerem”. Dessa forma, você pode evitar a identificação com as aparências e o abandono do seu eu [78], que é o que acontece com o mental se não for controlado. É como um brâmane que desempenha diferentes papéis em um drama sem nunca esquecer em seu mental que é, na verdade, um brâmane. Nunca devemos perder de vista o fato de que “Sou o Ser”. Se o mental se desviar disso, devemos exclamar imediatamente: “Oh! oh! Não sou o corpo, etc., quem sou eu?” e ele retornará ao seu estado puro. A busca por “quem sou eu?” é, portanto, o principal meio de extirpar toda a miséria humana (que vem da falsa identificação do corpo com o Eu profundo) e de obter a bem-aventurança suprema (“Self Inquiry” nº 4.12). Portanto, devemos buscar nossa natureza real, que é sempre incorpórea, e nos ater a ela. (“Self Inquiry” no. 1).
Todos os outros métodos são menos poderosos no controle do mental. Por exemplo, a disciplina da respiração acalmará o mental, mas somente enquanto durar. Da mesma forma, a meditação sobre as diferentes formas de Deus, a repetição de sílabas sagradas ou a restrição de alimentos são ajudas que a pacificam momentaneamente, após o que ele imediatamente divaga. (“Quem sou eu?” n° 12).