Byung-Chul Han (BCHZ) – mônada e espelho

Para Leibniz, a alma é uma “mônada”, na qual, como em um espelho, o universo é refletido. Mas ela não tem o silêncio e o distanciamento de si mesma que poderiam torná-la um eco amigável do mundo. Seu reflexo é, antes, uma representação ativa (percepção). Inerente a ela está um apetite (appetition, appetit, appetitus). O verbo latino appetere significa “estender a mão em direção a algo, lançar-se em direção a algo” ou “atacar algo”. Assim, a mônada, representando, apreende o mundo. A percepção é um tipo de intervenção no mundo. Poderíamos dizer que a mônada tem um apetite constante; aspira e anseia. De acordo com isso, o “apetite” deve ser a característica fundamental da “alma”. O apetite preserva a mônada na vida ou no ser. A ausência de apetite seria equivalente à morte. Portanto, “ser” significaria “desejo”.

A mônada não se comporta de forma receptiva, mas expressiva. Seu mundo em si não emerge de uma forma passiva de reflexão. Em vez disso, esse mundo é sua “própria” expressão (expressio). Na medida em que a mônada expressa (exprimit) o mundo ou o universo, expressa “a si mesma”. Na representação do mundo (representatio mundi), representa “a si mesma”. A alma ou a mônada é o que busca em seu apetite. O apetite ou a vontade (conatus) é constitutivo de seu ser. O “apetite” pressupõe uma espécie de “eu”, uma espécie de “interioridade” na qual o que está fora (de ce qui est dehors)1 é recebido ou incorporado como um alimento. A alma, referindo-se ao homem, é apenas um “alguém” enquanto “almeja” e aspira. Alguém “é” aquilo que a alma almeja e aspira:

Na medida em que a mônada é representativa dessa forma, ela se expressa e se representa, se apresenta e, portanto, representa o que busca em sua aspiração. Ela “é” o que representa dessa maneira. (…) Dizemos que um homem “é” alguém se ele “representa algo”2.

Para Leibniz, o nada é “mais simples e mais fácil” (plus simple et plus facile) do que o ser3. Para “ser” é necessária a força “vis”, a vontade (conatus) ou o impulso, que resiste ou se mantém diante do nada. Essa capacidade de ser consiste em um querer, na “aspiração de tornar-se efetivo”4. Assim, o ser mostra a constituição do querer, ao qual a autorreferência do querer é inerente. Por outro lado, [wiki]Dogen[/wiki], em sua exigência de se despojar do corpo e da alma, aponta para aquele ser cuja característica fundamental não é a vontade ou o apetite. O exercício do Zen Budismo faz, por assim dizer, o coração jejuar, até que outro ser se torne acessível a ele, um ser que “é” sem desejo.

O mundo da mônada, como uma expressão da mônada, permanece trancado “dentro da alma”. Falta-lhe uma abertura. As almas, como indivíduos sem janelas, não se veem, por assim dizer. Cada mônada olha autisticamente para a cortina de projeção à sua frente. Somente em virtude da “mediação de Deus” (l’intervention de Dieu) é que as mônadas podem se comunicar umas com as outras. Ao contrário, de acordo com a concepção zen-budista, há na entidade uma abertura sem limites, ou uma hospitalidade, como se ela consistisse apenas de janelas. Em cada entidade, todas as outras entidades são refletidas, nas quais, por sua vez, todas as outras entidades são refletidas:

Um espelho é refletido em todos os espelhos, todos os espelhos são refletidos juntos em um único espelho. Esse reflexo é a realidade do mundo real5.

Tais reflexões são dadas sem apetite (appetitus):

Mas que reflexo! E o que é que se reflete nele? Ali estão a terra e o céu, ali as montanhas se erguem e as águas correm; aí a grama é verde e os brotos das árvores nascem. Para quem, então, e para quê? (…) Existe em tudo isso uma intenção, um significado que possamos projetar? Tudo isso não está simplesmente aí? (…) Somente o espelho puro, que em si mesmo é vazio. Somente aquele que conheceu a nulidade do mundo e de si mesmo, vê nele também o tempo eterno6.

O espelho está vazio em si mesmo. Ele jejua, estende sua mão (anseia) em direção a um mero nada. Ele reflete sem interioridade, sem apetite. Se a alma é um órgão do apetite, diremos, consequentemente, que no espelho não há “alma”. E, portanto, de acordo com Leibniz, seria “ninguém”. Mas essa condição de “ninguém” o torna afável com todas as entidades que o visitam. E assim o transforma em algo como uma pousada. Em virtude de seu vazio, pode acomodar tudo:

Em um espelho transparente, todas as formas podem ser vistas, embora ele não contenha nenhuma. E por que isso acontece? Porque o espelho não possui personalidade própria7.


  1. G. W. Leibniz, Vernunftprinzipien der Natur und der Gnade, Hamburgo, 1956, p. 2 (trad. cast.: Monadología. Principios de la naturaleza y de la gracia, Madrid, 1994). 

  2. M. Heidegger, Nietzsche, tomo 2, Pfullingen, 1961, p. 449 (trad. cast.: Nietzsche, Barcelona, 2000). 

  3. G. W. Leibniz, Vernunftprinzipien der Natur und der Gnade, op. cit., p. 13. 

  4. Cf. M. Heidegger, Nietzsche, op. cit., p. 447. 

  5. Der Ochs und sein Hirte, op. cit., p. 63. 

  6. Bi-yän-lu, op. cit., tomo 1, p. 145 (lo resaltado se debe a B.-C. Han). 

  7. Hui Hai, «Der Weg zur blitzartigen Erleuchtung», en Meditations-Sutras des Mahâyâna-Budhismus, tomo 2, Berna, 31988, p. 141. 

Buda