A observação da natureza é o ponto de partida da filosofia de Boehme. O frontispício de seu primeiro livro, Aurora (JBAN 1612), afirma que o objeto do texto é a “descrição da natureza, como tudo era e veio a ser no início, como a natureza e os elementos se tornaram criaturas” (ver p. 33). Por meio da investigação da natureza, Boehme busca entender a origem do mundo inteiro e até mesmo imaginar como “será no final deste tempo”. A natureza é, portanto, a fonte mais imediata de conhecimento para Boehme. Ele recorre à metáfora, usada durante toda a Idade Média e o Renascimento, de que a natureza é como um livro que o ser humano precisa aprender a ler. De fato, o que pode ser aprendido com a natureza não pode ser encontrado em nenhum livro tradicional. Em sua segunda obra, Três Princípios da Divina Essência (1619), ele adverte o leitor da seguinte forma “você não encontrará nenhum livro no qual possa descobrir e investigar melhor a sabedoria divina do que quando caminha por um prado verde e florido, onde verá, cheirará e saboreará o maravilhoso poder de Deus, mesmo que isso seja apenas uma similitude” (JB3P 8.12).
Böhme usa com muita frequência exemplos tirados da natureza para explicar aos seus leitores a relação entre o mundo visível e o poder divino que o criou. Todo o prefácio de Aurora é dedicado a uma dessas semelhanças: Boehme compara as ciências da “filosofia, astrologia e teologia (…) a uma árvore deliciosa que cresce em um belo jardim de delícias”, sendo que “o jardim da árvore significa o mundo, a natureza do campo, o tronco da árvore as estrelas, os galhos os elementos, os frutos que crescem na árvore representam os seres humanos, a seiva da árvore significa a divindade luminosa” (JBAN, Prefácio 1 e 8). A presença de Deus na natureza é, portanto, tão difusa e vital quanto a seiva que flui dentro da árvore, tornando-a viva. O Deus de Boehme nunca deixou sua criação depois de ter formado o mundo, mas ainda habita nele. Deus está na natureza, e Boehme até chama a natureza de “o corpo de Deus” (“Leib Gottes”). No entanto, mesmo que Deus esteja na natureza, não se deve concluir que dentro de Deus existam coisas naturais como água, terra ou ar (JB3P 1.5).
À medida que a metáfora da árvore se desenvolve, fica claro que Boehme vê a natureza como um campo de batalha no qual diferentes forças lutam entre si, e Deus está, portanto, envolvido no dinamismo da natureza. Para Boehme, todos os processos de mudança natural, como o crescimento e a decadência, são o resultado de uma pluralidade de poderes que se opõem constantemente uns aos outros. Essa oposição gera atrito, do qual deriva o movimento e, portanto, a vida. No início de Aurora, Boehme menciona apenas dois desses poderes, chamados de “qualidades”: uma boa e uma má, e diz-se que tudo deriva de seu contraste. Juntas, essas duas qualidades são a fonte de onde fluem todas as coisas que existem (JBAN 2.2): elas estimulam todos os movimentos na natureza e, portanto, na natureza elas devem sempre existir em combinação e nunca individualmente, caso contrário, a própria vida não seria possível. Todas as criaturas, desde as plantas até os animais e os seres humanos, incluindo até mesmo os minerais, abrigam em si esses dois poderes opostos. “Não há nada na natureza em que o bem e o mal não estejam presentes”, resume Boehme (JBAN 2.5).