Comédia [Gelven, 2000]

A essência da comédia não é meramente a tolice agraciada, pois essa maravilhosa combinação também ocorre além das artes. Portanto, somos obrigados a refinar a sugestão: a comédia é a síntese realizada da graça e da tolice, na qual a própria performance, como aquilo que liga a tolice à graça, é uma instância da verdade. Parte do valor da arte cômica é, de acordo com essa sugestão, o alegre aprendizado da verdade inacessível de qualquer forma fora do fenômeno dramático. Uma vez que a profundidade dessa sugestão seja totalmente compreendida, os vários quebra-cabeças observados no início deste capítulo podem ser resolvidos com autoridade, e não deixados apenas para sentimentos ou percepções. A comédia, quando representada, desencobre. Portanto, devemos considerar criticamente o que significa dizer que a atuação é uma parte essencial do poder da arte cômica de desencobrimento da verdade.

[…] Como Heidegger demonstrou, a verdade nunca simplesmente é, como o ouro é na mina; ao contrário, ela ocorre; é um evento ou fenômeno, cuja peculiaridade singular é que, como um evento fenomenal, ela se revela. Portanto, ela não está de alguma forma “embutida” em proposições, como insiste Bertrand Russell; muito menos é uma propriedade que se esconde dentro de uma entidade, como poderíamos dizer que a massa é uma propriedade de um pedaço de argila. O que, porém, a verdade desencobre? Não podemos dizer que a verdade desencobre a verdade, pois o segundo uso do termo nessa articulação simplesmente nos leva de volta à noção de propriedade ou entidade da verdade. O que é desencoberto pelo fenômeno ou por meio dele é o sentido ou a essência. Heidegger não é tão doutrinário a ponto de negar que o uso comum do termo verdade pode se referir, e de fato se refere, ao que é desencoberto em oposição ao desencobrimento em si, nem mesmo nega que possamos dizer corretamente que as sentenças (ou proposições) são verdadeiras. Sua análise sugere, no entanto, que esses dois últimos sentidos são derivados e, portanto, de categoria inferior. O que ele chama de verdade proposicional (correspondência) é legítimo, mas pressupõe o que ele chama de verdade ôntica (a moeda verdadeira em oposição à moeda falsa); e tanto a verdade proposicional quanto a ôntica pressupõem o sentido fundamental da verdade, que ele chama, pelo menos em Ser e Tempo, de verdade ontológica, que é compreendida como a descoberta ou o desencobrimento do sentido do ser ou da existência. Dizer que a arte cômica é, como performativa, reveladora de sentido, é classificá-la como uma espécie de verdade ontológica: ela é verdadeira porque desencobre o que significa para nós sermos tolos agraciados e, portanto, revela o que significa para nós sermos de fato.

Heidegger é útil aqui. Suas distinções facilitam a compreensão do que pode significar insistir que a arte cômica é a verdade apenas quando representada. No entanto, não é apenas para Heidegger que devemos olhar a fim de captar o significado mais profundo da verdade performativa.

[GELVEN, M. Truth and the comedic art. Albany, NY: State University of New York Press, 2000]

Teatro