Coomaraswamy (Buda) Virtudes

Ananda Coomaraswamy — Pensamento Vivo de Buda
Virtudes
A prática das virtudes morais pelo chefe de família ou o discípulo-mendicante, o conduz a renascer num céu mais ou menos elevado. O primeiro obtém méritos pela sua boa conduta e sobretudo pela sua generosidade; e a este propósito deve-se notar que Buda exorta um chefe de família recentemente convertido, e tornado zelador leigo, a não abandonar seu antigo hábito de sustentar materialmente uma ordem rival de religiosos que são portanto heréticos aos olhos de um budista. O religioso-mendicante, que só possuía suas vestes, sua tigela de esmolas, seu cântaro e seu bastão, não podia, ele, ser generoso de seus bens; mas podia ensinar aos outros, e não se lhe poderia oferecer mais digno presente que de lhes dar a Lei Eterna. Os laços de família não existiam mais para ele como obrigações que implicam deveres; era-lhe proibido ocupar-se de política, participar dos prazeres, das provas, das ocupações das pessoas que vivem no mundo. Seu dever era devolver o amor pelo ódio àquele que o insultasse em palavras ou por vias de fato, e praticar as “estadias de Brahma” (Brahma vihara), os “estados divinos” do Amor, da Piedade, da Ternura e da Imparcialidade (metta, kanna, upekkha). O primeiro destes estados consiste em fazer resplandecer voluntariamente um amor benevolente para todos os seres vivos sem exceção. “Com um coração de Amor, ele permanece irradiante uma quarta parte, depois um segundo, um terceiro, um quarto; e assim o vasto mundo inteiro acima, abaixo, de todos os lados e por toda a parte, continua a irradiar do coração de Amor abundante, sem limites, sem máculas” e pensando: “Que todos sejam felizes!” ([wiki]Suttanipata[/wiki] 143 SG.) Aqui a palavra “todos” não designa somente os seres humanos, mas todos os seres do universo sem exceção. A Imparcialidade, ao contrário, é um estado subjetivo de paciência e de desprendimento, é considerar as coisas agradáveis ou desagradáveis que vos acontecem, no mesmo espírito que vós olharíeis representar uma peça: vós assistis às aventuras do herói sem nela participar. A “libertação do coração” que daí resulta é favorável a um renascimento último nos mundos de Brahma e à familiaridade, senão identidade de Brahma, considerando que a disposição do religioso que nele desenvolve estes estados de espírito sem egoísmo é a mesma que a de Brahma. Poder-se-á observar que até aqui é um método exclusivamente ético, que pressupõe a virtude da inocência (da não-nocividade) (ahimsa, [wiki]Majjhima_Nikaya[/wiki] I, 44; [wiki]Samyutta_Nikaya[/wiki] I, 163; [wiki]Suttanipata[/wiki] 309, 368, 515, etc). É uma palavra que se tornou muito familiar a nossos contemporâneos, sendo o princípio da “não violência” preconizada por Gandhi como regra de conduta em toda a circunstância: “Depõe teu gládio”. A educação da vontade precede logicamente à do intelecto.

Mas estes métodos éticos que comportam ainda a noção do eu por oposição a outrem são apenas uma parte do “caminhar com Deus” (Brahma-cariyam = theo synopaxein) ou “caminhar com a Lei” (dhamma-cariyam); não é este o último ponto do caminho; muito resta ainda (fazer. É-nos dito que, como os religiosos que não são ainda “completamente libertos” e que se gabam de terem chegado ao fim de sua tarefa ([wiki]Anguttara_Nikaya[/wiki] v, 336; cf. [wiki]Majjhima_Nikaya[/wiki] I, 477)-os deuses são frequentemente inclinados a crer, bem falsamente, que sua situação é imutável, eterna, e que nada mais têm a realizar ([wiki]Anguttara_Nikaya[/wiki] IV, 336, 355, 378; [wiki]Samyutta_Nikaya[/wiki] I, 142). E, com efeito, vemos Buda censurar Sariputa de ter indicado, a um brâmane que o interrogava, o modo de ter acesso aos mundos inferiores de Brahma somente, quando resta ainda tanto caminho a percorrer ([wiki]Majjhima_Nikaya[/wiki] II, 195-196). É constantemente admitido que aqueles que ainda não obtiveram seu “expirar” total (sânsc. parimi vana) neste mundo, se todavia eles estão bastante adiantados para “não mais regressar”, têm a faculdade de atingir sua perfeição e assegurar-lhes sua evasão final seja qual for sua situação no outro mundo: é esta a razão pela qual Buda é o mestre não somente dos homens, mas também dos deuses.



Ananda Coomaraswamy, Buda