A teologia cristã como um todo coloca Deus a priori como o objeto de nosso conhecimento e o sujeito de suas ações.
É de acordo com seus atributos que Deus é revelado a nós como um objeto. O primeiro é sua simplicidade: Deus é um. Ora, o Deus de Böhme, como se revela antes de toda a criação, no ciclo da natureza eterna, que é uma natureza ideal, como gera a si mesmo na primeira fase dessa manifestação, é um Deus dividido de acordo com duas vontades contrárias. As duas formas iniciais estão relacionadas respectivamente ao Pai e ao Filho, que se enfrentam em uma luta furiosa, à imagem da discórdia que reina em nossa natureza, mas com toda a dimensão conferida pela natureza exemplar do mito. A primeira visão que temos é a de um Deus despedaçado. O Deus Único é o término dessa natureza arquetípica. Não é seu início. No entanto, essa unidade final se traduz em uma totalidade que não é a pura simplicidade de Deus em Si mesmo.
A teologia dogmática afirma que Deus é eterno. Fala de uma eternidade simultânea que se opõe a qualquer eternidade sucessiva. No entanto, o ciclo sétuplo da natureza eterna revela Deus em aspectos sucessivos e de acordo com inícios que Böhme chama de princípios: o Pai é o primeiro princípio, o Filho é o segundo. Esses são princípios eternos, mas a eternidade de Böhme se manifesta apenas no tempo. Como Deus é revelado na natureza ideal, é precisamente a eternidade que paradoxalmente se desdobra no tempo.
Embora Böhme proteste que somente a linguagem humana exige que trate Deus dividindo-o em aspectos sucessivos, quando na verdade tudo nele é simultâneo, o teosofista usa resolutamente esse discurso. Böhme estava ciente de que estava blasfemando ao se expressar dessa maneira, mas o fato é que em todos os seus escritos nos mostra Deus em formação.
O Deus das teologias cristãs é chamado de Eu-sou. O Deus de Böhme não é a priori. Nasce, e o simbolismo do ciclo de sete anos serve para ilustrar esse nascimento.
Podemos conferir o ser e a existência a priori ao Deus de Böhme, quando a vida só aparece no quarto estágio desse ciclo de sete anos, com o fogo, e a escuridão e a angústia que reinam antes disso simbolizam a morte de Deus? O Deus de Böhme morre antes de nascer.
Deus é luz, dizem todas as teologias cristãs com São João. Mas o ciclo da natureza eterna começa na escuridão. O dia nasce da noite. Para Böhme, essa é uma verdade intangível, que não pode ser explicada de forma puramente conceitual. Há um tipo de moralidade na teosofia que sustenta que a luz seja ganha sobre a noite e que seja o fruto do desejo. Essa moralidade deriva da experiência religiosa, que Böhme transpõe para a própria vida divina.
Se aderirmos à revelação desse ciclo de sete anos, Deus não é, a priori, o objeto de nosso conhecimento. Torna-se o objeto de nosso conhecimento.