Deghaye (PDND) – alma

As qualidades ou propriedades sensíveis que dão origem às coisas são unas com os sentidos que as percebem. Ambas compõem a realidade da alma que preexiste às coisas. Para Boehme, mesmo no nível mais elevado, a alma é sempre uma alma sensível, um sensorium. Ela está no nível dos sentidos grosseiros ou no nível dos sentidos espirituais. E é da alma sensível que as coisas, sejam elas celestiais ou terrenas, procedem.

Mas para entender essa anterioridade da alma, temos de imaginar uma alma universal que precede as almas singulares, criadas, e que é, portanto, o verdadeiro início de todas as coisas. Boehme projeta nessa alma primordial todas as qualidades sensíveis que existem na natureza e os sentidos que as percebem. Ele a transforma no mundo dos arquétipos, que inclui todas as obras divinas antecipadamente. É esse mundo que chama de mysterium magnum.

Essa alma primordial, chamada eterna, é o sensorium com o qual o próprio Deus se reveste como um corpo para saborear suas obras e unir-se a elas. Mas é também graças a essa alma que Deus é perceptível. O Deus de Boehme é uma Divindade que se torna perceptível. Esse é o propósito de sua manifestação.

A alma primordial não é a alma do mundo. É a alma de Deus. É o invólucro sensível com o qual Deus se reveste como se tivesse um corpo para se manifestar. É a vestimenta na qual todas as obras de Deus e todas as revelações estão inscritas. O Deus de Boehme se revela somente em suas obras e por meio delas. É por isso que o mundo da alma é o lugar da revelação. É lá que a realidade suprema é oferecida.

O Ser é a alma. A realidade do Ser é a realidade da alma, em todos os níveis. O Ser grosseiro é a alma congelada. O Ser perfeito é a alma sublimada. Entretanto, essa realidade do Ser ainda é uma realidade sensível. Não é mais a realidade da ideia. O espírito só pode se manifestar no invólucro de uma realidade sensível. O próprio Deus se reveste de suas obras para se manifestar. Sem elas, a Divindade não passaria de um Deus desconhecido e estranho. E em sua realidade primária, as obras divinas são a alma de Deus.

Boehme identifica a alma com a natureza, physis. A natureza é o mundo das coisas criadas. Mas, antes disto, é a totalidade das qualidades sensíveis que dão origem a elas. Com essas qualidades, ela preexiste à criação. A natureza também é os sentidos que percebem as qualidades. Os sentidos também são pré-existentes às coisas criadas. As qualidades e os sentidos constituem a realidade sensível da alma. Antes de ser coisas criadas, a natureza é, antes de tudo, essa realidade primordial da alma.

É por isso que a vida da alma é explicitada por meio de símbolos que fazem parte de uma filosofia da natureza. O mais importante desses símbolos é o fogo. A alma é o próprio fogo. O conhecimento das coisas divinas nos é dado de acordo com a vida da alma, que é objetivada de acordo com uma filosofia da natureza.

Jacob Boehme, Pierre Deghaye