De acordo com o Budismo Chan, estamos todos presentes na natureza de Buda, cada um de nós é um desperto que se ignora como tal. Portanto, não faz sentido alcançar o despertar, um estado no qual a distinção sujeito-objeto desaparece, bem como as noções de perdição e realização. Entretanto, o homem comum deve realizar o Despertar e, para isso, deve trilhar um caminho no final do qual redescobrirá esse estado inconcebível e inexprimível.
Enquanto alguns textos budistas empregam raciocínio e lógica, outros usam metáforas. Elas não procuram explicar, mas sim tornar acessíveis os pontos essenciais da doutrina e, assim, provocar diretamente a experiência do despertar. As metáforas mais comuns são as do sonho, do reflexo da lua na água, da bolha de ar, etc. Em maior grau do que todos os outros, os textos Chan revelam essa preocupação de evitar o discurso doutrinário e usar preferencialmente imagens, meios quase pedagógicos de ensino.
É a partir do século VII que se desenvolveu no Chan a metáfora do adestramento do búfalo como ilustração do caminho até o Despertar. Um pouco mais tarde, provavelmente ao redor dos séculos X-XI, apareceram poemas e ilustrações desenvolvendo em várias etapas o adestramento do búfalo. A aparição de tais ilustrações não é um fato isolado. Por um lado participam de um movimento geral, sob a dinastia Sung, destinado a representar de forma gráfica movimentos filosóficos, ou puramente artísticos. Por outra parte, correspondem à aparição e a expansão na China da xilografia como meio de difusão em grande escala de escritos profanos e budistas, acompanhados a maior parte das vezes de figuras ou representações.
Apesar da proscrição do budismo na China em 845, o Chan não somente seguiu florescendo, senão que se desenvolveu e dividiu-se em seguida em cinco escolas principais, as Cao Dong, Linji, Fayan, Yunmen, Gui Yang. É principalmente em duas destas escolas, as de Cao Dong e Linji, que se desenvolveram as versões ilustradas do adestramento do búfalo.
Uma versão desse treinamento de dez estágios foi levada ao conhecimento dos leitores franceses a partir de 1930, após a tradução de Paul Petit dos poemas de Kuoan, apresentada na revista Commerce (da qual Paul Valéry foi um dos editores). Na China e no Japão, as versões de dez estágios eram as mais comuns. Entretanto, encontramos em várias obras do Budismo Chan versões em quatro, cinco, seis, seis, oito e doze cenas.
Deve-se notar, desde já, que a descrição dos estágios do Caminho Interior no treinamento do búfalo está longe de ser tão precisa e rigorosa quanto os textos budistas que descrevem, por exemplo, as dez terras pelas quais o bodhisattva, o “candidato ao despertar”, deve passar: cada região tem características precisas que não variam de um texto para outro. É aqui, acima de tudo, que a inspiração poética do autor parece ter ditado o número de estágios que levam ao despertar, mesmo que a escolha do número dez possa ter sido influenciada pela existência das dez terras. Mas, em vez de estágios, essa é uma descrição de estados.
Podemos distinguir duas tendências principais nas diferentes versões do treinamento do búfalo: aquelas que enfatizam a progressão dos estágios e parecem descrever o trabalho mental realizado durante o curso da meditação sentada ou durante as atividades diárias, e aquelas que se concentram na experiência do estado de Despertar e enfatizam sua rapidez. Aqui encontramos a distinção feita pelo Budismo Chan de duas correntes distintas: a corrente gradualista e a corrente súbita, ilustrada por duas famosas estrofes de Shenxiu e Huineng:
Shenxiu: O corpo é a árvore do despertar.
O espírito é como um espelho brilhante.
Ele precisa ser mantido limpo
Para que a poeira não se deposite nele.Huineng: O despertar não faz parte de uma árvore
Nem o espelho brilhante tem uma moldura
A natureza de Buda é eternamente pura
Como a poeira poderia se depositar?
Assim, a versão de dez estágios de Puming denota uma purificação progressiva do espírito, já que o búfalo se torna branco à medida que os estágios progridem, enquanto que na versão de dez estágios de Kuoan, o búfalo é branco desde o início, já que se trata de encontrar um búfalo que nunca foi perdido.
O que o búfalo representa? Nossa própria natureza, a natureza do despertar, a natureza do Buda, o Caminho do Ser. O homem simboliza o indivíduo, o ser humano; o guardião, a parte do indivíduo que se volta para a natureza mais profunda; a corda e o chicote são os meios, os diferentes métodos de trabalho mental que nos guiam para o despertar. A ideia de treinamento implica um trabalho longo, constante e diário, realizado com grande paciência e vigilância infalível. Essa ideia de treinamento ou domesticação não é nova, pois em muitos escritos budistas encontramos a expressão: “Espírito a domar” (diao fu xin).
Algumas versões enfatizam a noção budista de retorno, de conversão, pois é a inversão de nosso espírito que dá origem às ilusões e ao mundo externo como o vivenciamos atualmente.
Os mestres Chan foram os únicos a recorrer a metáfora do adestramento de uma animal selvagem. É necessário notar na China a existência de uma versão taoista do adestramento do cavalo devida a um tal Gao Daokuan. Este último pertencia à escola Quanzhen, que se desenvolveu a partir da dinastia Sung e foi fortemente influenciada pelo budismo Chan, até o ponto de que alguns textos desta escola, se não incluíssem dois ou três termos taoistas, pareceriam puramente Chan. O autor desta versão do cavalo conheceu as etapas do adestramento do búfalo, versão da qual provavelmente derivou.
No Tibete encontramos finalmente uma versão do adestramento do elefante, cujas ilustrações mas antigas datam do século XVII. Os elementos de que dispomos na atualidade não nos permitem afirmar se o tema e as ilustrações do adestramento do elefante são anteriores às do búfalo ou inversamente, nem quais foram as influências recíprocas. Notemos que esta versão ilustra outra filosofia: a das nove etapas do samatha do budismo Vijñānavāda.