Berdiaeff, L’esprit de Dostoïevski. (1945) [1974]
Em que consiste sua descoberta? Ele não se contenta em redescobrir a antiga e eterna verdade cristã sobre o homem, caída e esquecida no tempo do humanismo. A tentativa de um período humanista da história, a experiência da liberdade humana, não foram em vão. Não marcaram no destino humano uma pura deficiência. Uma alma nova nasceu dessa experiência, com novas dúvidas, um novo conhecimento do mal, mas também com novos horizontes, novas perspectivas, com a sede de novas [70] relações com Deus. O homem atingiu uma maturidade espiritual mais avançada. A antropologia cristã de Dostoiévski, profundamente cristã, difere, portanto, da antropologia patrística. A ciência do homem professada pelos Padres e Doutores da Igreja, o conhecimento dos caminhos da humanidade, tal como emerge da obra e da vida dos santos, já não respondem a todas as questões que o homem, em seu atual grau de crescimento espiritual, pode colocar, nem conhecem todas as dúvidas e tentações. O homem não se tornou melhor, não se aproximou de Deus, mas sua alma se complicou infinitamente, enquanto seu espírito se tornou mais amargo. Sem dúvida, a alma cristã de outrora conhecia o pecado e se deixava cair sob o poder do demônio. Mas ignorava essa duplicidade da personalidade que as almas estudadas por Dostoiévski conheceram. O mal, então, era mais claro e simples. E seria difícil hoje curar uma alma contemporânea de suas doenças espirituais apenas com os remédios de antigamente. Dostoiévski compreendeu isso. Ele soube tudo o que Nietzsche saberia. Mas com algo a mais. Em contrapartida, seu contemporâneo, Teófano, o Recluso, asceta e escritor ortodoxo entre os mais autorizados da Rússia, não sabia o que Dostoiévski e Nietzsche sabiam, e por isso não podia responder ao tormento gerado pela nova experiência humana. E essa coisa que Dostoiévski e Nietzsche [71] souberam é que o homem é terrivelmente livre, que sua liberdade é trágica e lhe é um fardo e um sofrimento. Eles viram o caminho que parte do homem se dividir em dois: uma via indo ao Deus-Homem, isto é, a Cristo, e outra à deificação do homem em deus, ao Super-Homem. A alma humana lhes apareceu no momento em que Deus dela se retirou completamente, um abandono que constitui uma experiência religiosa de tipo particular e pelo qual, após um longo mergulho nas trevas, acender-se-á uma luz nova. Eis em que o cristianismo de Dostoiévski difere profundamente do de Teófano, o Recluso. Eis por que os starets do mosteiro de Optina não o reconheceram plenamente como um dos seus após a leitura de Os Irmãos Karamázov. O caminho que leva a Cristo, ele o descobriu através da liberdade ilimitada. E, nesse mesmo caminho de liberdade sem limites, demonstrou a sedução mentirosa do Anticristo, de toda tentativa de fazer do homem um deus. Em todo caso, ele havia pronunciado sobre o homem uma palavra nova.
A obra de Dostoiévski não marca apenas a crise, mas a verdadeira derrota do humanismo. Nesse aspecto, seu nome deve figurar imediatamente ao lado de Nietzsche. Depois de Dostoiévski e de Nietzsche, é impossível retornar ao velho humanismo racionalista. A afirmação de si mesmo, a satisfação consigo mesmo acabaram. Pois está provado que além se estende o [72] caminho que leva ou a Cristo ou ao Super-Homem, mas que o homem não pode permanecer ele mesmo. Kirílov quer tornar-se Deus. Nietzsche quer superar o homem como uma vergonha e um opróbrio e avança em direção ao Super-Homem. Assim, o termo extremo desse culto do homem criado pelo humanismo é a própria destruição do homem, absorvido pelo Super-Homem. Não, o homem não é preservado no Super-Homem; ele é vencido como um elemento de vergonha, de impotência e de nada. Ele foi apenas um meio para suscitar o Super-Homem. Esse Super-Homem, um fetiche, um ídolo, devora tanto o homem que se ajoelha diante dele quanto tudo o que é humano.
Pode-se dizer, portanto, que o humanismo europeu encontra seu término em Nietzsche, que foi a carne de sua carne, o sangue de seu sangue e a vítima de seu pecado. Antes de Nietzsche, em sua genial dialética, Dostoiévski havia revelado o fim inevitável e fatal do humanismo, a perda do homem no caminho de sua própria deificação. Há uma diferença considerável entre Nietzsche e Dostoiévski: Dostoiévski reconheceu a ilusão dessa deificação do homem; ele havia explorado profundamente o caminho do arbítrio humano. E possuía outro saber; ele via a luz de Cristo. Era um vidente do Espírito. Nietzsche, ao contrário, foi dominado pela ideia do Super-Homem, que matava nele a ideia do homem. Pois só o cristianismo salvaguardou a ideia humana, preservou a imagem humana para a eternidade. A essência humana pressupõe a essência [73] divina. Matar Deus é, ao mesmo tempo, matar o homem. Sobre a tumba dessas duas grandes Ideias — Deus e o homem — ergue-se a imagem de um monstro, a imagem do homem que quer ser Deus, do Super-Homem em marcha, do Anticristo. Em Nietzsche, não há nem Deus nem homem, mas apenas esse Super-Homem desconhecido. Deus e o homem existem, ao contrário, em Dostoiévski. Nem Deus devora o homem, nem o homem desaparece em Deus: ele permanece ele mesmo até o fim e para a consumação dos séculos. É aqui que Dostoiévski se mostra cristão no sentido mais profundo da palavra.
É surpreendente que o êxtase dionisíaco não o tenha levado justamente ao desaparecimento da forma humana, à destruição do individualismo humano. O dionisismo pagão da Grécia havia ido até esse excesso, engolindo o indivíduo na grande corrente impessoal da natureza. O delírio dionisíaco é, em geral, nefasto para a personalidade. Mas nenhum delírio, nenhum êxtase poderiam levar Dostoiévski à negação do homem. Esse é um traço característico dele e que faz de sua antropologia um fenômeno totalmente novo e particular. A representação humana, os contornos da personalidade estavam, não sem fundamento, ligados até então a um elemento formal e apolíneo. O dionisismo, ao contrário, supunha a abolição do princípio da individualidade. Em Dostoiévski, é diferente. Ele é exclusivamente dionisíaco, todo em [74] êxtase e arrebatamento: mas a imagem, a pessoa humana se afirmam com ainda mais força no próprio seio dessa corrente exaltada. O homem, em seu dinamismo e contradições, permanece ele mesmo até em suas profundezas — o homem indestrutível. Dostoiévski se afasta aqui não apenas do dionisismo grego, mas também de muitos místicos da era cristã, para os quais o homem se esvaía e só permanecia o divino. Dostoiévski insiste em penetrar nas profundezas da vida divina sem deixar de lado o homem. O homem participa, para ele, da profundidade da eternidade. Toda a obra de Dostoiévski é um pleito em favor do homem: oposto radicalmente ao espírito monofisista, ele reconhece não apenas uma natureza — humana ou divina — mas duas naturezas, a humana e a divina. Sua posição nesse ponto é tão clara que, comparadas à sua, tanto a concepção russa ortodoxa quanto a católica parecem inclinar-se ao monofisismo, à absorção da natureza humana na natureza divina.