Dubois (DDIT) – consciência da consciência

A vida cotidiana é uma caverna de Ali Baba: é apenas uma questão de ser capaz de apreciar as joias. A coisa mais importante, portanto, é a consciência, a fonte de tudo. Mas ela não é apenas um “nada” translúcido. Se fosse apenas isso, ainda lhe faltaria o que é essencial: a capacidade de se representar, de se recapturar como isso ou aquilo, um poder que também inclui a capacidade de sentir, reagir e julgar. De acordo com o tantra não dualista, e conforme explica a passagem a seguir, a consciência não é apenas trazer à luz as coisas, a recepção e o espaço em que elas surgem — o espaço, os espelhos e os cristais também podem fazer isso. Não, a alma da consciência é expressa em uma palavra sânscrita difícil de traduzir, vimarsha, que significa literalmente “refletir”, “pensar sobre”, “avaliar”, “sentir”, “experimentar”. A ideia é distinguir entre o que chamamos de “consciência simples”, que é a consciência como a manifestação desse chá, por exemplo, e a “consciência refletida”, essa mesma consciência na medida em que é “conhecimento desse chá”, com todas as possibilidades que isso implica: sinto o gosto do chá, mas também sinto o gosto do fato de saboreá-lo, sei que estou sentindo o gosto, e assim por diante. Esse poder de narrativas dentro de narrativas também é um poder de se dividir em dois e, portanto, de julgar a si mesmo, o que é a raiz de muito sofrimento. Mas, de acordo com o tantra, esse aspecto é a vida da vida do Ser. É claro que nunca há um aspecto sem o outro: toda manifestação é acompanhada de reflexão, do conhecimento de que “isso é”, mesmo que, muitas vezes (como na leitura dinâmica ou diagonal), esse conhecimento não seja articulado, não seja pensado em palavras. É essa alma que a passagem a seguir procura destacar:

Os sábios sabem que o fenômeno próprio da manifestação (consciente)
É a tomada de consciência (dessa manifestação);
Caso contrário, a luz consciente, mesmo que afetada por objetos,
Permaneceria inerte, como um cristal e similares (superfícies reflexivas). [IPK, 1, 5]

Vamos nos lembrar da lição: o tantra não dualista reconhece a beleza e o valor das metáforas do espaço e do espelho. É bom reconhecer que a consciência é como um excelente espelho que capta uma infinidade de coisas a todo momento sem ser alterado. Da mesma forma, é bom deixar que nossa consciência — a sensação do corpo tátil — se abra para o espaço como uma flor, para permitir que se expanda, por exemplo, ao contemplar um céu azul. Mas o tantra não dualista, como se desenvolveu na Caxemira, enfatiza ainda mais o tempo do que o espaço: instante, explosão, intervalo, intermediário, são os pontos-chave de sua prática. Essa também é a sua originalidade: essa “ioga” não enfatiza apenas a consciência como testemunha neutra — consciência como conhecimento — mas também, e acima de tudo, a consciência como desejo, ímpeto, ebulição, emoção, criação, iniciativa, choque, espanto. É porque essa dimensão afetiva é reconhecida como parte da parte mais íntima da Consciência — com letra maiúscula, veja bem — que essa tradição propõe uma exploração da vida cotidiana, no coração da carne. O que é próprio da consciência é o que é próprio dessa tradição da consciência, porque essa tradição aspira apenas a abraçar o fluxo indomável da consciência.

David Dubois