Duval (HZEN:45-46) – caráter próprio do ser humano: ouvir – dizer

Tanto em sua definição comum quanto em sua definição filosófica, a realidade humana, ou seja, “aquilo que fundamentalmente torna o homem humano”, é determinada como “zoon logon echon”: o ser vivo cujo modo de ser deve ser essencialmente concedido à capacidade de dizer. O “legein” é o fio condutor que nos permite tornar nossos os modos de ser (Seinsstruktur) de tudo o que é (Seienden), o que nossas interpelações e expressões nos fazem encontrar.” (SZ:26)

O ser é o que dá o ser a todas as coisas vivas (zoon), incluindo o homem (Da-sein). Mas o que dá ao homem seu caráter específico (wesenhaft) é, como vimos, o fato de ser o guardião do ser (Da-sein). Com o pensador, agora chamamos essa vigilância de “Redenmassen”, “capacidade de dizer”. Esse poder é menos um “poder de fazer” do que um “poder de ouvir” e, a partir daí, “produzir” uma palavra. A capacidade de dizer, portanto, implica uma capacidade receptiva à Palavra silenciosa do Ser e uma capacidade produtiva de tornar o Ser explícito em palavras.

Essa capacidade receptiva pura é designada por Heidegger pelo verbo “bestimmen”. Traduzir “bestimmen” para o francês como “determinar” na verdade obscurece o significado mais profundo dessa palavra. Em “bestimmen” há “die Stimme”, a Voz; “Stimmung”, o ambiente, a atmosfera, o espaço de ressonância. Portanto, devemos traduzir “Das Dasein…, dessen Sein wesenhaft durch das Redenmasse bestimmt ist.” por : “A realidade vigilante do homem… cujo Solo (wesenhaft) é recebido (concedido) (bestimmt ist) na Medida da Palavra (Redenmassen).”

É porque o homem é determinado pela Voz silenciosa do Verbo original do Ser em sua origem essencial e anônima; é porque ele está no Mundo, na atmosfera e no ambiente do Mundo que o impede de se ater ao seu entorno; é por “isso” que ele é aquele que corresponde a tal acordo e extrai dele o poder de seu caráter essencial: falar.

Nessa segunda espiral da meditação em espiral dos pensadores, o Mundo não é mais simplesmente o a priori inefável que constitui a condição de possibilidade para o avanço dos pensadores. Pela própria afirmação de seu conceito, o Mundo mostra que é, por definição, a e-vocação de uma atmosfera (Stimmung) que sempre concedeu realidade humana ao dizer silencioso que leva à fala, à ex-plicação, ao ex-plicador.

Jean-François Duval