Eliade-Couliano (Dicionário) – budismo japonês

O budismo mais criativo intelectualmente é hoje em dia, sem dúvida, o japonês. Ele penetrou no Japão vindo da Coreia durante a segunda metade do século VI, e inicialmente sem sucesso. A conversão da imperatriz Suiko (592–621), que se torna monja, e do seu noivo, o príncipe regente Shotoku (573-621), inauguram uma época de prosperidade para o budismo, que continuará na capital Nara, fundada em 710 (a época dita das «Seis Seitas»). Posteriormente, quando a capital é transferida para Heian (Kyoto, 794-868), o budismo será submetido ao controlo rigoroso do Estado. Conhece uma grande expansão nos meios populares durante o xogunato dos Kamakura (1185-1333), através do amidismo ou doutrina da Terra Pura (Jodo), o Paraíso ocidental do Buda Amifãbha cujo nome (nembutsu) representa um fórmula simples e eficaz de meditação. Os xoguns Tokugava (1600-1868), que transferem a sua capital para Edo (Tóquio), eram eles próprios adeptos do Jodo, o qual favoreciam. Mas os Decretos dos Tokugava (1610-1615) identificam o budismo ao Xinto oficial, colocando-o sob controlo rigoroso do governo.

Na época Meiji (1868-1912), a coabitação pacífica do budismo e do Xinto termina brusca e brutalmente pela declaração de ilegalidade do budismo e do movimento chamado haibutsu kishaku: «Matem os budistas e abandonem as Escrituras.» O apelo não ficará sem resposta: um grande número de religiosos irá fraquejar ou tornar-se laico, muitos santuários serão destruídos ou transformados em templos Xinto.

Enfim, se nós falávamos ainda há pouco da criatividade intelectual do budismo nipônico contemporâneo, esta não é o fruto de uma organização florescente, comparável às organizações religiosas sem fim lucrativo nos Estados Unidos, por exemplo. Com efeito, várias reformas após 1945, assim como a modernização radical do país, privaram largamente as igrejas budistas da sua base econômica tradicional.

A proliferação de doutrinas budistas no Japão, mesmo se seguindo em geral a evolução do budismo chinês, não é desprovida de originalidade. Como veremos, determinadas sobreposições surpreendentes entre o sistema da doutrina cristã e o das doutrinas budistas conduzem a problemas comuns, que serão por vezes abordados de uma maneira análoga pelos reformadores das duas religiões.

Entre as Seis Seitas antigas, reconhecem-se algumas nas discussões doutrinais que tinham produzido as escolas do budismo indiano. As seitas Jojitsu, Kusha e Ritsu pertencem ao Hinayana; as seitas Sanron, Hosso e Kegon no budismo Mahlyana.

O Tendai (chinês T’ien-t’ai, da montanha homônima), introduzido no Japão em 806 pelo monge Saicho (767-822), encontra o favor da corte imperial de Heian. O texto fundamental desta escola é o Saddharmapundarika na tradução de Kumarajiva (406 d. C); a sua tese é que todos os seres possuem a natureza do Buda e participam do seu dharmakaya.

O Shingon (chinês Chen-yen, do sânscrito mantra) é uma forma de tantrismo «da mão direita», isto é, não sexual, sistematizado pelo monge Kukai (774-835), que indo à China (804-806) recebe a instrução de um mestre indiano de Caxemira. A iconografia do Shingon é particularmente importante na arte religiosa japonesa.

Uma terceira escola, o amidismo ou Jodo shu, é fundada pelo padre Honen (ouGenku: 1133-1212).

Enfim, o Zen (chinês Chan, do sânscrito dhyana), responsável já por várias escolas na China, chega ao Japão em duas variantes: o Rinzai Zen, que encontrará numerosos adeptos entre os samurais, introduzido pelo padre Eisai (1141-1215), e o Soto Zen, mais meditativo e popular, introduzido pelo padre Dogen (1200-1253). A composição social dos adeptos das duas escolas é resumida na fórmula: rinzai shogun, soto domin, o Rinzai pelos aristocratas, o Soto pelos camponeses.

Estas quatro grandes seitas do budismo japonês adotam diversas posições em relação ao mesmo problema da graça que, no Ocidente, tinha provocado a controvérsia entre Pelágio e Agostinho, e ia mais tarde opor os protestantes aos católicos. O Tendai e o Jodo, em comparação com o Zen e o Shingon, têm uma tendência mais quietista. Com efeito, afirma o Tendai, o iluminar inscreve-se em nós desde o nascimento; é preciso é encontrá-lo. O Jodo shu, como Agostinho na sua polêmica com Pelágio, afirma que ninguém pode alcançar o Despertar pelos seus próprios meios (jiriki), mas que toda a salvação vem da graça do Buda (tariki). Confrontado com o mesmo problema, Shinran (1173-1262), discípulo de Honen e fundador do Jodo Shinshu ou Verdadeira Seita da Terra Pura, encontra uma solução que se poderia apelidar de luterana se não lhe faltasse um termo, fundamental nas especulações de Lutero sobre Agostinho: o da predestinação. Com efeito, para Shinran sendo a salvação democrática, podem-se antes encontrar analogias entre ele e os anabatistas, dado que afirma que todo o mundo está já salvo e que, por consequência, não é necessário seguir o caminho do ascetismo e que se pode casar.

Pelo contrário, o Shingon afirma o princípio do sokushin jobutsu: pode-se vir a ser Buda no presente imediato, pela execução de certos rituais tântricos.

Da mesma forma, o Zen sustenta que se pode alcançar o Despertar com o nosso próprio esforço mas, enquanto Rinzai recomenda preferencialmente técnicas simples de eficácia imediata como o koan, uma fórmula paradoxal e frequentemente acompanhada de gestos inesperados, o Soto não conhece senão uma regra: a da meditação em posição de sentado (zazen).

O Japão conhece uma escola nacional do budismo na seita Nichiren (1222-1282), inicialmente adepto de um Tendai que se torna bem cedo escasso para o seu desejo de reforma. Personagem de uma intransigência pitoresca e extraordinária, ele ataca violentamente o budismo do seu tempo, que acusa de decadência; arroga-se aliás de um direito espiritual direto de exprimir as suas críticas, dado que está convencido de ser um Budasattva, ou mesmo vários ao mesmo tempo. Várias vezes exilado, condenado à morte e depois perdoado, nunca abandonou a sua cruzada contra os monges, o governo, a época miserável e podre que viu nascer. As suas mensagens, enviadas à hora da sua morte, são suficientemente perturbadoras para lhe assegurarem uma enorme popularidade: «Eu, Nichiren, diz ele no Kaimokusho («O Despertar para a Verdade», 1272), fui decapitado entre a hora do Rato e do Boi, no décimo segundo dia do nono mês do último ano, e o idiota que existia em mim morreu então. Eu vim a Sado em espírito e, no segundo mês do segundo ano, escrevi este tratado para o enviar aos meus seguidores. Dado que foi escrito por um espírito, é possível que estejam assustados.»

Atualmente, o budismo divide-se num número de escolas que ultrapassa o de todas as outras organizações religiosas no Japão: 162 em 1970. (Eliade e Couliano)

Buda