Julius Evola — A Tradição Hermética
ALMA, ESPÍRITO E CORPO
Antes de continuarmos é conveniente determo-nos na correspondência da natureza humana com os princípios deduzidos até este momento. Vejamos o que resulta deste enunciado: «Tudo aquilo que há no macrocosmo, o homem também possui.» Se o Enxofre, o Mercúrio e o Sal existem no universo — o «tri-mundo» — também existem no homem; e, no homem, os «três mundos» manifestam-se como Alma, Espírito e Corpo. Chamamos a atenção para o fato de as palavras «Alma» e «Espírito» não terem aqui o mesmo significado que têm nos nossos dias. Neste caso, no que não pertence aos nossos dias, a «Alma» designa o elemento propriamente sobrenatural da personalidade; e o «Espírito» é entendido como o conjunto das energias psico-vitais que constituem algo de intermédio entre o corpóreo e o incorpóreo e que são afinal a «vida», o princípio animador do organismo.
Posto isto, o homem traz hermeticamente, na Alma a presença da força solar e áurea (sol); no Espírito a força lunar e mercurial (mercúrio) ; no Corpo exprime-se, enfim, a força do Sal Ó¨, quer dizer, daquilo que na linha de «queda» é crucificação e prisão, e na linha de «ressurreição» será, pelo contrário, potência subjugada, «Água ardente» fixada segundo uma lei espiritual. Daí Bernardo Trevisano, em Parole Delaissée, afirmar: «Há trindade numa unidade e unidade numa trindade, e aí estão Corpo, Espírito e Alma. E aí também Mercúrio e Arsênico». E Jacob Boehme: «Tudo o que cresce, vive e se move neste mundo contém Enxofre, sendo o Mercúrio a vida, e sendo o Sal a essência corpórea do desejo do Mercúrio.»
As ditas correspondências podem encontrar-se com facilidade nos textos, bastando para isso ter em vista as equi-valências simbólicas já assinaladas e várias outras que se podem intuir; e permanecer atento às passagens em que, por causa de um contexto diferente, os mesmos símbolos adquirem um sentido que, às vezes, pode, inclusive, ser oposto ao predominante.
Das correspondências ternárias no homem, podemos passar às quaternárias, que se referem aos Elementos. E, em primeiro lugar, é necessário dizer alguma coisa sobre a potência do elemento Terra. Para se conseguir uma idéia de conjunto, há que ter presente tudo quanto dissemos acerca das neutralizações dos princípios opostos, que originaram o aspecto «corpo» dos seres. Num dos seus aspectos, a oposição dá-se entre o universal e o individual, e o resultado é uma espécie de bloqueio do conhecimento, agora definido como a percepção de um mundo exterior e material.
Na «petrificação» do mundo espiritual criado pelos sentidos corporais, na ruptura dos contactos, na reta percepção da lei dualística do Eu-não-Eu (que já dissemos ser o obstáculo principal para a compreensão das ciências tradicionais por parte dos modernos), age o poder do Sal. Ora Sal, Corpo, Pedra e Terra, no sentido do simbolismo hermético que estamos a considerar, são equivalentes. E a potência da Terra no homem será então aquela que, através do corpo, determina neste a visão corpórea do mundo.
Daqui se deduz um ponto fundamental: o homem comum conhece apenas a Terra, desconhecendo os outros elementos — Ar, Água e Fogo —, tais como são em si mesmos. Ele conhece apenas a sensibilização que esses elementos sofrem quando se manifestam através do elemento Terra, quer dizer, tais como se traduzem nos processos da percepção corporal. A Água, o Ar e o Fogo, como todos os conhecem, isto é, como estados da matéria física, não passam de correspondências — digamos — tangivelmente simbólicas, dos verdadeiros Elementos, chamados «vivos» pelos mestres herméticos e que, como oportunamente indicamos, são em si mesmos outros estados de existência, outras formas de consciência, desligadas do corpo. Em cada uma delas podemos ver transpostos analogicamente todos os princípios das coisas, do mesmo modo que, no estado de existência corporal no corpo terrestre, todos os princípios são, em vez disso, transpostos e conhecidos na sua aparição na morada do elemento «Terra». Esta, no sentido mais universal, é a terrestralidade dos «metais», quer dizer, dos princípios individuados, chamada às vezes, também, «impureza», «escória» e «sombra».
Os demais elementos que não sejam a Terra, e que em seu conjunto constituem o «Céu dos Filósofos» (141), só podem ser apreendidos por um conhecimento diferente daquele que vem do corpo, por muito aperfeiçoado que este se apresente, mediante os expedientes de que dispõe o experimentalismo da ciência moderna. O princípio daquele outro conhecimento (o que não vem do corpo) é o seguinte: «O semelhante conhece-se por meio do semelhante»; e a razão mais uma vez é a seguinte: na essencialidade do homem estão contidas também as essências dos outros Elementos, quer dizer, a virtualidade de outros estados de consciência, diferentes daquele que suporta o sortilégio da Terra. E assim somos levados à compartimentação quaternária do ser integral do homem.