Evola Decadencia

Evola — O segredo da decadência

Introdução: Este artigo foi publicado em 1938 no Deutsches Volkstum, pelo tradicionalista italiano Julius Evola. O autor procura explicar como uma civilização superior pode decair, degenerar-se. É importante ressaltar que para Evola, mais além do pluralismo e da multiplicidade de civilizações, há um dualismo de civilizações. A civilização tradicional orientado por valores espirituais e a civilização moderna dominado por princípios naturais. A origem da decadência, para o citado autor, está intimamente relacionada com a questão da hierárquica e com a liberdade fundamental do ser humano como poderemos ver com a leitura deste artigo.

Introdução, notas e tradução de Cesar Ranquetat Jr.

Email: franquetat@yahoo.com.br

O segredo da decadência

Qualquer um que rechaçou o mito racionalista do “progresso1 e da interpretação da história como um desenvolvimento positivo e ininterrupto da humanidade, se encontrará gradualmente conduzido até uma visão de mundo que era comum a todas as grandes culturas tradicionais, e que tem seu centro na memória de um processo de degeneração, de um lento obscurecimento, ou da queda de um mundo anterior mais elevado. Penetrando mais profundamente nesta nova e antiga interpretação voltamos a encontrar problemas variados, entre os quais o principal é o segredo da decadência.

Em seu sentido literal, esta pergunta não supõe de nenhuma maneira uma novidade. Se se contemplam os magníficos vestígios das culturas do passado, cujo nome mesmo nem sequer chegou a nós, mas que parecem ter alcançado, inclusive em seus aspectos materiais, uma grandeza e um poder maior que as culturas atuais, dificilmente se pode evitar colocar problemas sobre a morte das culturas, e sentir a insuficiência das razões que habitualmente são dadas como explicação.

Podemos agradecer ao Conde de Gobineau pela melhor exposição e a mais conhecida tese sobre este problema. Sua solução sobre a base do pensamento racial e da pureza racial comporta também uma grande parte de verdade, mas tem a necessidade de ser ampliada por algumas observações que concernem a uma ordem de coisas mais elevada. Pois, existiram numerosos casos de uma cultura ter se afundado decaído, inclusive quando sua raça permaneceu pura, e isto é particularmente claro em alguns grupos que sofreram uma inexorável extinção, ainda que permaneceram racialmente isolados como ilhas. Estes povos estão hoje na mesma forma racial em que estavam a dois séculos antes, mas é difícil encontrar no presente a heróica disposição e a consciência racial que possuíram em outro tempo. Outras grandes culturas parecem simplesmente ter ficado rígidas como múmias: desde faz muito tempo estavam interiormente mortas e bastava o menor sopro para abatê-las. Tal foi o caso, por exemplo, do antigo Peru, este império solar gigantesco que foi aniquilado por alguns aventureiros saídos da Europa.

Se considerarmos o segredo da decadência desde um ponto de vista exclusivamente tradicional, resulta mais difícil, todavia resolver o problema completamente. É então uma questão de divisão de todas as culturas em dois tipos principais. De uma parte, há culturas tradicionais, cujos princípios são idênticos e invariáveis, a margem de todas as diferenças superficiais, o eixo destas culturas e a cúspide de sua ordem hierárquica consistem em poderes e ações metafísicas, supra-individuais, que servem para informar e justificar tudo o que é simplesmente humano, temporal, sujeito ao devir da história. Por outra parte, há uma “cultura moderna”, que é verdadeiramente anti-tradição e que se esgota em si mesma em construção de formas puramente humanas e terrestres e na busca de uma vida inteiramente desvinculada do “mundo do alto”.2

Desde o ponto de vista desta última, a totalidade da história é degeneração, porque mostra o declínio universal das primeiras culturas de tipo tradicional e a ascensão decisiva e violenta de uma nova civilização de tipo “moderno”.

Então surge uma dupla questão.

Em primeiro lugar, como foi possível que isto ocorresse? Existe uma ligação lógica que subjaz em toda a doutrina da evolução: é impossível que o mais elevado possa emergir do menos evoluído e o maior do menor. Mas não existe uma dificuldade similar na solução da doutrina da involução? Como é possível que o mais elevado possa cair? Se pudéssemos raciocinar por simples analogias, seria fácil tratar esta questão. Um homem que tem boa saúde pode converter-se em um enfermo; um homem virtuoso poder tornar-se vicioso. Existe uma lei natural que considera que qualquer ser vivente começa com o nascimento, crescimento e a força, mas logo vem à velhice, o debilitamento e a desintegração. E assim sucessivamente.

Em segundo lugar, a questão não é somente explicar a possibilidade da degeneração de um mundo cultural particular, mas também a possibilidade que a degeneração de um ciclo natural possa transmitir-se a outros povos e os arraste em sua queda. Por exemplo, não temos que explicar somente como a antiga realidade ocidental se funde, mas também mostrar a razão pela qual foi possível para a cultura “moderna” conquistar praticamente o mundo inteiro e, porque possui o poder de desviar os povos de qualquer cultura e dominar inclusive ali onde os Estados de forma tradicional pareciam ainda vivos (basta recordar o Oriente ário). Acerca disto, não basta dizer que houve somente uma conquista puramente material e econômica. Este ponto de vista parece muito superficial, fundamentalmente por duas razões. Em primeiro lugar, um país que é conquistado sobre o plano material sofre também, a longo prazo, influências de um tipo mais elevado correspondentes ao tipo cultural de seu conquistador. Podemos afirmar, de fato, que a conquista européia semeia quase por todas as partes as sementes da “europeização”, ou seja, a forma de pensamento racionalista, hostil à tradição. Em segundo lugar, a concepção tradicional da cultura e Estado é hierárquica, não dualista. Seus alcances não podem subscrever sem severas reservas, aos princípios do “daí a César o que é de César” e do “Meu reino não é deste mundo”. Para nos, a — TRADIÇÃO — é uma presença vitoriosa e criativa no mundo do que não é deste mundo, ou seja, do espírito, compreendido como uma potência que é mais potente que todo poder puramente humano ou material.

É a idéia de base da visão da vida autenticamente tradicional, que permite falar com desprezo das conquistas puramente materiais. Pelo contrário, a conquista material é um sinal, não de uma vitória espiritual, mas de um debilitamento espiritual ou de uma espécie de “retrocesso” em culturas que são conquistadas e que perdem sua independência. Em todas as partes onde o Espírito se considera como a potência mais forte, e verdadeiramente presente, os meios — visíveis e invisíveis — não falharam nunca em resistir a superioridade técnica e material de todos os adversários. Mas foi isto que ocorreu. Deve-se, pois concluir que a degeneração era ocultada atrás de uma fachada tradicional de todos os povos que mundo moderno conseguiu conquistar. No ocidente a crise que já era universal se tornou mais aguda. A degeneração foi equivalente, a um golpe, e quando teve lugar rompeu com mais ou menos facilidade que em outros povos em que a involução certamente “progrediu” tanto, mas onde a tradição já havia perdido sua potência original e por tanto estes povos não foram capazes de se proteger de um assalto exterior.

Com estas considerações, o segundo aspecto de nosso problema se une ao primeiro. A questão é explicar, sobretudo o significado e a possibilidade da degeneração, sem fazer referência a outras circunstâncias.

Para isto devemos ser claros a propósito de uma coisa: é um erro pressupor que a hierarquia do mundo tradicional está baseada em uma tirania das classes superiores. Isto é somente uma concepção “moderna”, completamente distante da forma de pensar tradicional. A doutrina tradicional concebia de fato a ação espiritual como uma “ação sem atuar”; falava do “motor imóvel” 3; em todas as partes onde utilizava o simbolismo do “pólo”, o inalterável em torno do qual todos os movimentos ordenados tomam espaço em outro lugar, demonstramos que este é o significado da suástica (cruz gamada); destacava sempre a espiritualidade “olímpica” e autoridade autêntica, assim como um forma de atuar diretamente sobre seus subordinados não por violência, mas pela “presença”; finalmente utilizava a imagem do amante, no qual se encontra a chave desta questão, como vamos ver.

Somente hoje alguém poderia imaginar que os autênticos portadores do Espírito, da Tradição, buscam os indivíduos para agrupá-los e colocá-los em seu lugar, ou seja, que “dirigem” os indivíduos, ou tem um interesse pessoal em estabelecer e manter estas relações hierárquicas em virtude das quais podem aparecer de maneira visível como os dirigentes. Isto seria ridículo e insensato. É antes, o reconhecimento procedente das classes baixas, o que está na base de toda hierarquia4 tradicional. Não é o elevado que tem necessidade do menos elevado, mas o inverso. A essência da hierarquia é que existe algo vivo, como uma realidade em algumas pessoas, que nas outras está presente somente sob a forma de um ideal, de uma premonição, de um esforço. Assim, estas últimas, são fatalmente atraídas pelas primeiras e sua inferior condição é de subordinação, não tanto como algo distante, externo, mas ao seu próprio “eu” verdadeiro. É ai onde reside o segredo, no mundo tradicional, de toda disponibilidade para o sacrifício, de toda lealdade; e por outra parte, de um prestígio, de uma autoridade e de uma calma poderosa que o tirano mais solidamente armado jamais poderá possuir.

Com estas considerações, chegamos muito perto da solução acerca do problema da degeneração, mas também sobre a possibilidade de uma queda em particular. Não estaríamos fatigados de ouvir que o êxito da revolução5 indica a debilidade e a degeneração das classes dirigentes anteriores? Uma compreensão deste tipo é muito parcial. Isto seria, com efeito, o caso se cachorros ferozes fossem atados e bruscamente soltos; seria prova de que as mãos que os ataram primeiro e soltado depois se debilitaram. Mas as coisas se apresentam de uma forma muito diferente na estrutura da hierarquia espiritual, que explicamos sua base real. Esta hierarquia degenera e pode ser derrubada em um caso somente, quando o indivíduo degenera, quando utiliza sua liberdade fundamental para negar o Espírito, para separar sua vida de todo ponto de referência mais elevado, e para existir “somente para si mesmo”6. Quando os contatos se interrompem fatalmente, a tensão metafísica, a que o organismo tradicional deve sua unidade, se dilui, todas as formas vacilam e se fendem. Os cumes naturalmente, permanecem puros, invioláveis em suas alturas, mas o resto que dependia deles, se converte a partir de agora em uma avalanche, uma massa que perdeu seu equilíbrio, que cai, primeiro imperceptivelmente, mas com um movimento cada vez mais acelerado, até as profundidades e os mais baixos níveis do vale. Este é o segredo de todas as degenerações e revoluções. O europeu primeiramente matou a hierarquia em si mesmo extirpando suas próprias possibilidades interiores, as quais correspondem às bases da ordem, para depois destruir exteriormente.

Se a mitologia cristã atribui à queda do homem e a rebelião dos anjos a liberdade da vontade, então isto remete pouco mais ou menos ao mesmo significado. Isso demonstra o surpreendente potencial que permanece ao ser humano, para utilizar a liberdade para destruir-se espiritualmente e para apagar tudo o que poderia assegurar um valor sobrenatural. É uma decisão metafísica: o fluxo que atravessa a história sob as formas mais variadas de anti-tradição, do espírito revolucionário, individualista e humanista, para resumir o “espírito moderno”. Esta decisão é a única causa positiva decisiva no segredo da decadência, a destruição da Tradição.

Assim, podemos talvez compreender o sentido das lendas que falam de misteriosos chefes que existem “sempre” e não morrem jamais (a sombra do Imperador dormente no interior da montanha Kyffhaüser7). Tais dirigentes podem ser redescobertos somente se alcançamos à realização espiritual e se despertamos uma qualidade em si mesmos, como um metal que bruscamente, sente o “amante”, encontra o amante e se orienta até ele. No momento, devemos se limitar a esta indicação. Uma explicação compreensível das lendas deste tipo nos levaria a antiga cunha dos ários, nos levaria demasiado longe. Em outra ocasião voltaremos talvez ao segredo da decadência, e a “magia” que é capaz de restabelecer a massa caída, sobre os cumes inalteráveis, solitários e invisíveis que estão, todavia ali, nas alturas.

Julius Evola.

Deutsches Volkstum. Nr 11. 1938.

1 Baseando-se nas doutrinas tradicionais, Evola contesta a visão unilinear e evolutiva do devir histórico, que parte do pressuposto que a humanidade evolui de um estado “selvagem” e primitivo para um estado civilizado superior.

2 O imanentisno, o naturalismo, o fechamento do homem moderno em relação ao sobrenatural é um dos aspectos fundamentais de nosso tempo.

3Conceito de Aristóteles ao referir-se em sua Metafísica a Deus,o primeiro motor imóvel.

4 O termo hierarquia significa etimologicamente ordem sagrada. Hieros: Sagrado e Arché: Ordem, em grego.

5 Processo plurissecular de destruição dos valores e instituições tradicionais.

6 O orgulho, o individualismo é base da revolta luciferina do homem contra Deus.

7 Mito germânico o qual afirma que o Imperador gibelino Frederico Barba ruiva não esta morto, mas encontra-se “adormecido” neste montanha mágica esperando o momento ideal para despertar e intervir novamente.



Julius Evola