DOUTRINA DO DESPERTAR — A CONSCIÊNCIA SAMSARICA
DESEJO — TANHA
Chegamos agora à segunda verdade Aryia, que trata de samudaya, ou seja, da origem. De que esta nossa experiência, que se manifesta como dukkha, como agitação, como angústia, origina; de onde retira alimento e o que a mantém? A resposta é tanha (sânscrito: trshna) quer dizer, ânsia ou sede: “sede de vida sempre se renovando a si mesma, a qual, quando associada ao prazer da satisfação e gratificação aqui e ali, é sede por prazer sensual, sede de existência, sede de advir”. Esta é uma força central da existência samsarica, é o princípio que determina a anatta, ou seja, a não-ipseidade de qualquer coisa e qualquer vida que seja e investe toda vida de alteração e morte. Sede, ânsia, ardência, de acordo com o ensinamento budista, se encontra não somente na raiz de todos os estados da mente, mas também da experiência em geral, das formas de sentir, perceber e observar que são frequentemente consideradas como neutras e mecânicas. Assim chegamos ao sugestivo simbolismo do “mundo em chamas”. “O mundo inteiro está em chamas, o mundo inteiro é consumido pelo fogo, o mundo inteiro estremece. Tudo é chamas. E o que é o tudo que está em chamas? O olho está ardendo, o que é visível está ardendo, a consciência do visível está ardendo, contato do olho com o que é visível está ardendo, a sensação — seja de prazer ou dor, ou nem dor nem prazer — que se levanta do contato com o que é visível está ardendo. E de que está ardendo? Do fogo do desejo, do fogo da aversão, do fogo da ilusão — e o mesmo tema é repetido separadamente para o que é ouvido, o que é saboreado, tocado, cheirado, e para o que é pensado; e de novo se tem o mesmo tema para pancakkhandha, o quíntuplo tronco da personalidade: materialidade, sensação, percepção, formações, consciência. Esta chama queima não somente em desejo, aversão, e ilusão, mas também em nascimento e morte, em decadência, em toda espécie de dor e sofrimento.
Esta é a segunda verdade Ariya, a verdade sobre a “origem”. Para compreendê-la devemos ir além do plano mais superficial da consciência: posto que embora todos provavelmente concederão que o desejo é a raiz de um vasto número de ações humanas, praticamente ninguém compreenderá jamais intuitivamente que é a substância de sua própria forma corporal, a raiz de sua própria individualidade, a base de sua própria experiência, mesmo mesmo que seja de uma cor ou de um som, ao qual é indiferente. Isto vale também para a primeira verdade, posto que é muito improvável que todos compreenderão que sob esta alegria jaz dukkha, ou seja, agitação, sofrimento e inquietação. O fato é que estas duas verdades já estão, de certa maneira, relacionadas com “a outra margem”, sendo diretamente evidente somente para aqueles que já atravessaram e podem compreender objetivamente e completamente a natureza do estado no qual previamente se encontravam. Nesta conexão particular os textos provêm um símile iluminador, aquele do leproso. Aqueles que, “levados pelo desejo, consumidos pela sede do desejo, ardem com a febre do desejo, deleitam em desejo, são como aqueles leprosos, seus corpos cobertos com chagas, ulcerados, comidos por vermes, que, em esfregando suas chagas e causticando seus membros, sentem um deleite mórbido. Mas aquele que se libera da lepra, sente-se curado, saudável, e independente, “mestre de onde vai”; este homem compreenderia então “em conformidade com a realidade” o deleite mórbido da lepra, e se qualquer um tenta-se levá-lo à força para fogo no qual anteriormente sentiu deleite, lutaria de toda maneira possível para afastar seu corpo.