Fernandes (SFFC:33-34) – Grande Sabedoria (Mahaprajna) do Buda Vipassi

O relato da Iluminação, ou Grande Sabedoria (Mahaprajna) do Buda Vipassi — o primeiro dos seis Budas que haviam florescido em éons anteriores — pelo próprio Buda Siddhartha (“o que realizou seu objetivo”) Gautama, o Sákyamuni (sábio do reino Sákya), no Sutta Brahmajala, começa com a questão de se é possível ensinar ao homem comum algo mais do que regras morais. Lembra-se o leitor, certamente, do que há pouco conversávamos sobre a Filosofia como exclusão da Sabedoria, “destronamento do sábio”, e sobre como o filosofar nasce, no Ocidente, como ironia, ou seja, como a dissimulação da Sabedoria, o fingir não ser sábio, para testar o pronunciamento do deus Apolo, como “obediência” à voz do daimonion interior, questionando os outros, numa dialética negativa. Pois bem, embora o homem comum, questionava-se a si mesmo Vipassi, não pudesse apreciar a Sabedoria como tal, poderia ele, ao menos, reconhecer seu reflexo, convivendo com o Sábio na vida diária? Poderia a pessoa comum fazer alguma conexão entre a compreensão suprema (a Sabedoria) e as regras morais ordinárias (a forma de “amizade” que chamamos de “Ética” normativa)? No Suttanta Mahapadana, ocorre ao Buda Vipassi: “E se eu agora ensinasse a Doutrina (Dhamma), a Verdade?”:

Atingi essa Verdade, profunda, difícil de discernir, difícil de compreender, de pacífico e excelente alcance, não da ordem da dedução lógica (attakavacara), sutil, que só os sábios podem apreciar. No entanto, esta geração está apegada ao prazer e delicia-se no apego, e por causa disso é difícil para ela compreender esses assuntos … Se eu ensinasse a Doutrina e os outros não ME compreendessem, isso seria enfadonho; seria para mim um vexame.

Nesse momento, o Grande Brahma, o Criador do Mundo, apareceu ao Sábio e pediu-lhe que ensinasse a Doutrina, pois existiam uns poucos seres, com apenas algumas falhas, que, sem a Sabedoria, definhariam. Ora, Brahma era um dos seres brilhantes (devas), a personificação de Brahman, feita de matéria sutil (Rupavacara Deva, Atman). Embora o mais perfeito, ainda criava no plano das formas e, portanto, ainda estava sujeito ao nascimento e à morte. Perguntado sobre onde cessariam completamente os elementos (terra, água, fogo e ar), Brahma não soube responder e encaminhou a pergunta ao Buda. “Está claro”, afirma Saddhatissa, “que a elevação do mundo acima da sua condição atual devia ser tarefa para alguém, ou algo, maior que seu próprio Criador”. Quem pariu Mateus, hélas, não o embala. A Filosofia reserva-se a si própria uma missão supradivina, muito além do que podem todas as religiões instituídas. Mas pode a Sabedoria ser ensinada?

Ao pedido de Brahma, o Sábio respondeu que já havia considerado a hipótese de pregar a Doutrina, e expôs suas razões para ter decidido não fazê-lo. Brahma então pediu-lhe, pela segunda vez, e recebeu pela segunda vez uma recusa. Quando pediu pela terceira vez, o Sábio “sentiu compaixão por todos os seres e, com sua visão búdica, viu seres de vários graus de impureza, agudeza e faculdades, de várias disposições, de diferentes capacidades para aprender, para viver no mal e no medo, com apenas um pequeno vislumbre de algo além disso”. Conforme o relato de Gautama, Vipassi pôs-se a ensinar a Sabedoria e “em circunstâncias similares, assim fez o Buda Gautama”:

Enquanto o prospecto era ensinar a umas poucas pessoas, em estágios comparativamente avançados, o Buda recusou-se a ensinar; mas quando ele considerou a massa total da humanidade heterogênea e seus sofrimentos, ele decidiu, sem hesitação, que ensinaria seu Dhamma.

As controvérsias socrático-platônicas, a respeito das quais o erudito Stone fez um estardalhaço político, tem aqui um encaminhamento despojado e direto. O monge Hammalawa Saddhatissa, MA, PH.D., DLitt., Tripitakacarya e Pandita, não é, como Stone, um jornalista correndo atrás da história, mas nem por isso é menos erudito. O que estaria fazendo toda a diferença, além do “choque cultural”?