(Deghaye2000)
Em Viagem à Itália, Goethe frequentemente se expressa como os místicos. Os espirituais cristãos atribuem grande importância à noção de segunda-nascença. Encontramos essa ideia nos escritos de Goethe, que repete o termo com demasiada predileção para não lhe atribuir certa realidade. Qual seria? Certamente não é a mesma de um tratado de teologia mística, mas, em um plano diferente, podemos aceitar uma equivalência. Goethe sente forças vivas atuando na raiz de sua personalidade, forças que a transformam profundamente. Ele revive, à sua maneira, a metanoia, a conversão dos espirituais.
Goethe recorda um trecho de uma carta de Winckelmann que, segundo ele, lhe causou grande alegria. Winckelmann fala de Roma como uma escola maravilhosa que o formou e acrescenta: “Eu também fui purificado, fui posto à prova.” A alma é purificada no teste, assim como os metais são no fogo. Winckelmann adota uma linguagem religiosa. Não é significativo que Goethe tenha se apropriado dessas palavras que identificam a catarse profana à purificação, à regeneração que resulta da segunda-nascença e dos testes místicos? Para falar das virtudes da arte em termos de vida interior, o próprio Goethe empresta o vocabulário dos contemplativos. É notável que ele ecoe Winckelmann.
A maior revelação oferecida ao poeta durante sua estadia na Itália foi a do corpo humano, mais particularmente o rosto. Goethe fala do rosto como um mistério sagrado.
Já temos um texto do Viagem à Itália, datado de 10 de janeiro de 1788. Goethe escreve que o interesse que ele dedica à forma humana o faz esquecer todo o resto e acrescenta que, no passado, ele sentia essa atração, mas a evitava, como fazemos ao nos afastarmos do brilho do sol que nos cega.
Em outra carta, escrita em Roma no Natal de 1787, esse brilho que nos cega ao contemplarmos os grandes mestres associa-se ao fogo do relâmpago que acompanha o nascimento de Cristo. Lemos o seguinte: “Desta vez Cristo nasceu com um estrondo de trovões e um clarão de relâmpagos, pouco depois da meia-noite tivemos uma grande tempestade.” Pode ser um acaso meteorológico, mas Goethe escreve logo depois, sem transição: “O brilho das maiores obras-primas não ME cega mais; agora eu caminho na contemplação, no verdadeiro conhecimento, no espírito de discernimento.” O relâmpago e a luz que cega são dois símbolos que se tornam um só.
Em seus estudos sobre o sagrado, o teólogo Rudolf Otto destacou, ao mesmo tempo, o aspecto assustador da majestade divina, o numen, e a fascinação exercida por sua luz. Quando Deus apareceu a Moisés na sarça ardente, ele cobriu o rosto, temendo olhar para Elohim. O homem pecador não pode ver Deus, por isso está escrito: “Ninguém pode ver a face do Senhor sem morrer.” Somente o homem purificado pode contemplar o mistério divino, sem que a Divindade, no entanto, jamais se revele em sua essência pura.
Goethe transpôs esse motivo. No relato de Viagem à Itália, o poeta sente-se ao mesmo tempo purificado e capaz de contemplar obras que, para ele, encarnam o mistério supremo.