Na seguinte passagem, que descreve as implicações contemplativas deste conhecimento, Ibn Arabi clarifica esta distinção entre o que ele chama de Um como Essência (ou o princípio unitário) e o Um como Nome (ou o primeiro número):
Quando aquilo que nunca foi deixa de ser, por ser transitório, e aquilo que sempre é permanece, por ser permanente e subsistente, o Sol da clara comprovação então se erguerá, trazendo evidente compreensão. Acontece a transcendência absoluta, realizada na Beleza absoluta. É a realidade essencial de Sintetizar e Ser e a estação da Tranquilidade e do Silêncio. Os números são vistos como (da mesma forma que) o Um (Wahid) — este Um viaja pelos (muitos) graus, e por meio dessa viagem as realidades dos números são manifestadas. É nessa estação que aquele que professa unificação comete um erro: pois quando essa pessoa testemunha a viagem do Um pelas posições imaginárias, não vê qualquer número exceto o Único Um (Ahad) e, portanto, professa identidade.
Agora, se Ele se manifesta em Seu Nome (Um), não se manifesta em Sua Essência ao mesmo tempo, exceto em Sua própria condição particular, que é a Unidade. Em qualquer posição que Ele se manifeste em Sua Essência, não manifesta Seu Nome, mas é nomeado naquela posição por qualquer que seja a realidade que aquela condição dê a Ele. É por meio do Seu Nome naquela posição que há extinção, enquanto que é por meio de Sua Essência que há subsistência. Portanto, se dissermos “Um” (Wahid), tudo que não seja Ele é aniquilado por meio da realidade desse Nome. Por outro lado, se dissermos “dois”, sua realidade essencial (realidade do dois) se manifesta por meio do Ser da Sua Essência (Um) naquela condição, não por meio do Seu Nome (Um). Seu Nome (Um) nega a existência dessa condição, ao contrário de Sua Essência. (Futuhat)
O que está sendo enfatizado aqui é a distinção entre dois aspectos da Unicidade. Seus nomes em árabe são Wahid e Ahad (que podemos traduzir por Um e Único, respectivamente) e têm sido assunto de muito debate entre os teólogos árabes. Ambos são nomes Divinos no Alcorão: o Nome Ahad aparece uma única vez, sem adornos qualificativos, enquanto o Nome Wahid aparece três vezes, sempre em conjunção com o Nome al-Qahhar (o Destruidor). Parece claro que Ibn Arabi está, como sempre, bem atento às Escrituras: ele equipara o “Único” (Ahad) à Essência, princípio da Unidade, que transcende a numeralidade, sem negar a existência de qualquer outro número e o “Um” (Wahid) ao Nome, primeiro número, cuja própria realidade nega e “destrói” todos os outros. Lembrando que esta analogia numérica descreve acima de tudo uma ciência contemplativa, ele acrescenta de imediato:
Este tipo particular de introspecção e de compreensão precisa ser velado da maioria das criaturas, pelo que contém em si de elevação e exaltação. E um profundo abismo e nele a destruição é iminente! (K. al-Fana fi’mushahada)