Não és Ele; e, no entanto, és Ele; O verás nas essências das coisas, soberano e condicionado ao mesmo tempo…
Traduzimos aqui apenas a primeira parte do capítulo sobre Noé, pois o restante, uma exegese das passagens do Alcorão relacionadas à história desse patriarca, baseia-se em simbolismo verbal que não pode ser transposto para outro idioma. Entretanto, vamos resumir alguns aspectos desse capítulo. De acordo com o Alcorão, Noé revelou a unidade e a transcendência divinas a um povo idólatra. A idolatria resulta de uma afirmação unilateral do ponto de vista da “comparação”, ou imanência, em detrimento da transcendência divina. De acordo com Ibn Arabi, os ídolos adorados pelas pessoas que pereceram no dilúvio não eram nada mais do que personificações de Nomes divinos — de “aspectos” do Ser Supremo — cuja realidade transcendente e, portanto, unidade essencial, eles haviam finalmente esquecido. O erro dos idólatras deu origem à pregação de Noé, no sentido de que ele teve de afirmar a transcendência e foi impedido de afirmar explicitamente a imanência de Deus, porque a função cósmica da profecia envolve a compensação de desequilíbrios e está, de alguma forma, vinculada a essa lei. Por sua vez, os idólatras continuaram determinados pela verdade distorcida por seu erro, de modo que a pregação de Noé reprimiu ainda mais a atitude deles. Toda revelação profética, portanto, produz oposições no plano terreno, por meio do que ela nega e do que ela afirma, e, por fim, suscita afirmações e negações complementares na economia das formas tradicionais. (Titus Burckhardt)