IZUTSU, Toshihiko. Sufism and Taoism. A comparative Study of Key Philosophical Concepts. Berkeley: Univesity of California Press, 1983, p. 7-8.
tradução
A chamada “realidade”, o mundo sensível que nos cerca e que estamos acostumados a considerar como “realidade”, é, para Ibn Arabi, senão um sonho. Percebemos pelos sentidos um grande número de coisas, as distinguimos umas das outras, as colocamos em ordem por nossa razão e, assim, acabamos estabelecendo algo sólido ao nosso redor. Chamamos esse construto de ‘realidade’ e não duvidamos que seja real.
De acordo com Ibn Arabi, no entanto, esse tipo de ‘realidade’ não é realidade no verdadeiro sentido da palavra. Em outros termos, tal coisa não é ser [wujud] como realmente é. Vivendo como vivemos neste mundo fenomenal, ser em sua realidade metafísica não é menos imperceptível para nós do que coisas fenomenais são em sua realidade fenomenal para um homem que está dormindo e sonhando com elas.
Citando a famosa Tradição, ‘Todos os homens estão dormindo [neste mundo]; somente quando morrem, acordam “, ele observa:
O mundo é uma ilusão; não tem existência real. E é isso que significa “imaginação” [khayal]. Pois você apenas imagina que [isto é, o mundo] é uma realidade autônoma bastante diferente e independente da Realidade absoluta, enquanto na verdade não é nada disso [Fusus al-Hikam].
. . . Saiba que você mesmo é uma imaginação. E tudo o que você percebe e diz para si mesmo ‘não sou eu’ também é uma imaginação. Para que todo o mundo da existência seja imaginação dentro da imaginação. [ibid.]
O que, então, devemos fazer, se o que consideramos “realidade” não passa de um sonho, não a forma real do ser, mas algo ilusório? Devemos abandonar de uma vez por todas esse mundo ilusório e sair dele em busca de um mundo completamente diferente, um mundo realmente real? Ibn Arabi não assume tal posição, porque, em sua opinião, ‘sonho’, ‘ilusão’ ou ‘imaginação’ não significa algo sem valor ou falso; significa simplesmente “ser uma reflexão simbólica de algo verdadeiramente real”.
A chamada “realidade” certamente não é a verdadeira realidade, mas isso não deve ser entendido como significando que é apenas uma coisa vã e infundada. A chamada “realidade”, embora não seja a própria Realidade, reflete vaga e indistintamente esta última ao nível da imaginação. É, em outras palavras, uma representação simbólica da Realidade.
Tudo o que é preciso é que devemos interpretá-la de maneira adequada, da mesma maneira que costumamos interpretar nossos sonhos, a fim de chegar ao estado real das coisas além dos símbolos dos sonhos.
Referindo-se à Tradição acima citada, ‘Todos os homens estão dormindo; somente quando morrem, acordam’, Ibn Arabi diz que ‘o Profeta chamou a atenção por essas palavras para o fato de que tudo o que o homem percebe no mundo atual é para ele tal como um sonho é para um homem que sonha, e que deve ser interpretado’. [Fusus al-Hikam]
O que é visto em um sonho é uma forma “imaginal” da Realidade, não a Realidade em si. Tudo o que precisamos fazer é retornar ao seu status original e verdadeiro. É isso que significa “interpretação” [tawil]. A expressão: “morrer e acordar” que aparece na Tradição é para Ibn Arabi nada mais que uma referência metafórica ao ato de interpretação entendido nesse sentido. Assim, ‘morte’ não significa aqui a morte como um evento biológico. Significa um evento espiritual que consiste em um homem jogando as amarras do sentido e da razão, ultrapassando os limites do fenomenal e vendo através da rede de coisas fenomenais o que está além. Significa, em suma, a experiência mística da ‘auto-aniquilação’ [fana].
O que um homem vê quando acorda de um sono fenomenal, abre os olhos reais e olha em volta? Que tipo de mundo ele observa então – isto é, no estado auto-iluminado de ‘subsistência’ [baqa]? Descrever esse mundo extraordinário e elucidar sua composição metafísico-ontológica, é a principal tarefa de Ibn Arabi. A descrição do mundo como ele o observa à luz de suas experiências místicas constitui sua visão filosófica do mundo.
original
So-called ‘reality’, the sensible world which surrounds us and which we are accustomed to regard as ‘reality’, is, for Ibn Arabi, but a dream. We perceive by the senses a large number of things, distinguish them one from another, put them in order by our reason, and thus end up by establishing something solid around us. We call that construct ‘reality’ and do not doubt that it is real.
According to Ibn Arabi, however, that kind of ‘reality’ is not reality in the true sense of the word. In other terms, such a thing is not Being [wujud] as it really is. Living as we do in this phenomenal world, Being in its metaphysical reality is no less imperceptible to us than phenomenal things are in their phenomenal reality to a man who is asleep and dreaming of them.
Quoting the famous Tradition, ‘All men are asleep [in this world]; only when they die, do they wake up,’ he remarks:
The world is an illusion; it has no real existence. And this is what is meant by ‘imagination’ [khayal]. For you just imagine that it [i.e., the world] is an autonomous reality quite different from and independent of the absolute Reality, while in truth it is nothing of the sort.
. . . Know that you yourself are an imagination. And everything that you perceive and say to yourself, ‘this is not ME’, is also an imagination. So that the whole world of existence is imagination within imagination.
What, then, should we do, if what we have taken for ‘reality’ is but a dream, not the real form of Being, but something illusory? Should we abandon once for all this illusory world and go out of it in search of an entirely different world, a really real world? Ibn Arabi does not take such a position, because, in his view, ‘dream’, ‘illusion’ or ‘imagination’ does not mean something valueless or false; it simply means ‘being a symbolic reflection of something truly real’.
The so-called ‘reality’ certainly is not the true Reality, but this must not be taken to mean that it is merely a vain and groundless thing. The so-called ‘reality’, though it is not the Reality itself, vaguely and indistinctively reflects the latter on the level of imagination. It is, in other words, a symbolic representation of the Reality.
All it needs is that we should interpret it in a proper way just as we usually interpret our dreams in order to get to the real state of affairs beyond the dream-symbols.
Referring to the above-quoted Tradition, ‘All men are asleep; only when they die, do they wake up’, Ibn ‘Arabi says that ‘the Prophet called attention by these words to the fact that whatever man perceives in this present world is to him as a dream is to a man who dreams, and that it must be interpreted’.
What is seen in a dream is an ‘imaginal’ form of the Reality, not the Reality itself. All we have to do is take it back to its original and true status. This is what is meant by ‘interpretation’ [tawil]. The expression: ‘to die and wake up’ appearing in the Tradition is for Ibn Arabi nothing other than a metaphorical reference to the act of interpretation understood in this sense. Thus ‘death’ does not mean here death as a biological event. It means a spiritual event consisting in a man’s throwing off the shackles of the sense and reason, stepping over the confines of the phenomenal, and seeing through the web of phenomenal things what lies beyond. It means, in short, the mystical experience of ‘self-annihilation’ [fana].
What does a man see when he wakes up from his phenomenal sleep, opens his real eyes, and looks around? What kind of world does he observe then — that is, in the self-illuminating state of ‘subsistence’ [baqa]? To describe that extraordinary world and elucidate its metaphysical-ontological make-up, that is the main task of Ibn Arabi. The description of the world as he observes it in the light of his mystical experiences constitutes his philosophical world-view.