Izutsu (ST:224-225) – Compreensibilidade do homem

A “humanidade” (insaniyah) do homem no nível cósmico reside, como já vimos, em sua “abrangência” (jam’iyah). O homem, como microcosmo, contém em si todos os atributos encontrados no universo. O Absoluto, nesse sentido, manifesta-se no Homem da maneira mais perfeita. E o Homem é o Homem Perfeito porque ele é a mais perfeita auto-manifestação do Absoluto.

A seguir, há uma passagem muito importante na qual Ibn Arabi nos explica seu conceito de Homem Perfeito em nível cósmico. Ele usa o profeta Moisés como ilustração. Moisés, quando nasceu, foi colocado em um baú e jogado no Nilo. Ibn Arabi, ao explicar o significado simbólico dessa história, desenvolve-a em uma teoria do Homem Perfeito.

No que diz respeito à sabedoria de Moisés ter sido colocado em um baú e jogado no grande rio, devemos observar que o baú (tabut) simboliza o “aspecto humano (do homem)” (nasut, ou seja, o corpo), enquanto o “grande rio” (yamm) simboliza o conhecimento que ele adquire por meio desse corpo. Esse conhecimento é adquirido por ele por meio do poder de pensar e representar. Esses e outros poderes semelhantes da alma humana só podem funcionar quando o corpo físico está existindo.

Portanto, assim que a alma é atualizada no corpo e é ordenada (por Deus) a usar e governar o corpo livremente, Deus produz na alma todos os poderes mencionados acima como muitos instrumentos pelos quais a alma pode alcançar o propósito — de acordo com a vontade de Deus — de governar essa “arca” que contém a Presença invisível (sakinah) do Senhor.

Assim, (Moisés) foi lançado no grande rio para que pudesse adquirir, por meio desses poderes, todo tipo de conhecimento. (Deus) permitiu que ele entendesse o fato de que, embora o espírito (ruh) que governa (o corpo) seja o “rei” (ou seja, o comandante supremo do corpo humano), ele não pode governá-lo à vontade a não ser por meio do corpo. É por isso que Deus dotou o corpo de todos esses poderes existentes no “aspecto humano”, que Ele chamou simbólica e esotericamente de “peito”.

O mesmo se aplica ao governo do mundo por Deus. Pois Ele governa o mundo à vontade somente por meio dele (isto é, o mundo) ou por meio de sua forma.

Deus governa o mundo somente por meio do mundo (estabelecendo certas relações necessárias entre as coisas do mundo): por exemplo, a criança depende do ato gerador do pai, os gerados dependem de seus geradores, os condicionados de suas condições, os efeitos de suas causas, as conclusões de suas provas e os existentes concretos de suas realidades internas. Tudo isso pertence ao mundo como resultado da disposição de Deus sobre a coisa. Assim, fica claro que Ele governa o mundo somente pelo mundo.

Eu disse acima: ‘ou por meio de sua forma’, ou seja, por meio da forma do mundo. O que eu entendo aqui sob a palavra “forma” (surah) são os Nomes Mais Belos pelos quais Ele nomeou a Si mesmo e os Atributos mais elevados pelos quais Ele qualificou a Si mesmo.

De fato, de cada Nome de Deus que conhecemos, encontramos o significado atualizado no mundo e seu espírito sendo ativo no mundo. Portanto, também nesse aspecto, Deus não governa o mundo, exceto pela forma do mundo.

Toshihiko Izutsu (1914-1993)