Izutsu (ST:197-198) – Criação

I O Sentido da Criação

A “criação” (khalq) é, sem dúvida, um dos conceitos sobre os quais se apoia a visão de mundo islâmica. Ela desempenha um papel proeminente em todos os aspectos do pensamento religioso do Islã. Na teologia, por exemplo, ele constitui o ponto de partida de todas as discussões na forma da oposição entre a “temporalidade” (huduth) e a “eternidade a parte ante” (qidam). O mundo é uma coisa “originada” (ou “temporalmente produzida”) porque é o resultado da criação Divina. E essa concepção de que o mundo é “originado” (muhdath) forma a base de todo o sistema da teologia islâmica.

Na visão de mundo de Ibn Arabi, a “criação” também desempenha um papel importante como um dos conceitos-chave. A palavra criativa de Deus, “Sê!” (kun), tem um significado decisivo no surgimento de todos os seres. No entanto, como vimos, o conceito mais básico da ontologia de Ibn Arabi é a automanifestação, e o mundo do Ser não é, afinal, nada além da automanifestação do Absoluto, e nenhum evento ocorre no mundo a não ser a automanifestação. Nesse sentido, a “criação”, que significa o surgimento do mundo, é naturalmente idêntica à automanifestação.

Mas cometeríamos um erro grosseiro se imaginássemos que, como a ontologia de Ibn Arabi é baseada na automanifestação e como não há nada além da automanifestação, a “criação” é, afinal, para ele, uma metáfora. Pensar que Ibn Arabi usou o termo “criação” fazendo uma concessão ao padrão estabelecido do pensamento islâmico e que ele simplesmente descreveu a automanifestação em uma terminologia mais tradicional é ignorar a natureza multilateral de seu pensamento.

Um dos traços característicos do pensamento de Ibn Arabi é sua multiplicidade. Na presença de um problema importante, ele geralmente desenvolve seu pensamento em várias direções e de várias formas com a ajuda de imagens ricas. Creio que isso se deve, em grande parte, à profundidade e à fecundidade incomuns de sua experiência, que sempre está por trás de seu pensamento. A profundidade e a riqueza da experiência mística exigem, em seu caso, multiplicidade de expressão.

A teoria da “criação” que vamos examinar não deve ser considerada como uma mera metáfora religiosa ou algum ensinamento esotérico disfarçado na terminologia teológica tradicional. Para ele, a “criação” é tão real quanto a “automanifestação”. Ou poderíamos dizer que o mesmo fato fundamental existente em sua consciência tem dois aspectos diferentes: um é a “criação” e o outro a “automanifestação”.

II O Elemento Feminino na Criação do Mundo

III A Criação Perpétua

Toshihiko Izutsu (1914-1993)