Izutsu (ST:263-264) – Santidade

O capítulo anterior revelou que, no momento em que começamos a considerar o homem em nível individual, nos deparamos com a existência de vários graus entre os homens. Vimos também que o mais elevado de todos os graus humanos é a “santidade” (walayah). O santo (waliy) é o mais elevado “conhecedor” de Deus e, consequentemente (em termos da visão de mundo de Ibn Arabi), da estrutura essencial do Ser. Em outras palavras, o santo é o homem perfeito por excelência. O tópico central deste capítulo será o conceito de “santidade”.

Podemos começar observando que, no entendimento de Ibn Arabi, o conceito de santo inclui tanto o profeta (nabiy) quanto o apóstolo (rasul). Resumidamente, o Santo é o conceito mais amplo que inclui o Profeta e o Apóstolo; o próximo é o conceito de Profeta que inclui o de Apóstolo; e o Apóstolo é o mais restrito de todos. Como al-Qashani diz, “todo Apóstolo é um Profeta e todo Profeta é um Santo”, mas não vice-versa.

Sobre a relação entre os três conceitos, há uma passagem consideravelmente longa no Fusus2 em que Ibn Arabi desenvolve seu pensamento. O argumento é muito complicado e um tanto confuso, mas a essência dele pode ser esclarecida da seguinte maneira.

O primeiro ponto a ser observado com relação ao conceito de Santo é que waliy é propriamente um Nome Divino. O fato de waliy ser um dos Nomes de Deus implica que ele é um aspecto do Absoluto. Nesse aspecto, o santo é radicalmente diferente do profeta e do apóstolo porque as palavras nabiy e rasul não são nomes divinos; elas são peculiares aos seres humanos. “Waliy é um nome de Deus”, como diz Ibn Arabi, “mas Deus não se chamou nabiy nem rasul, enquanto Ele se chamou waliy e fez dele um de Seus próprios nomes”.

Assim, waliy é um nome divino. Mas até mesmo um homem, quando seu conhecimento de Deus atinge o ponto mais alto, tem o direito de ser chamado pelo mesmo nome; ele é um waliy. Entretanto, o próprio waliy humano, sendo tão profundamente consciente de sua “servidão” (‘ubud-iyah), não gosta de tornar o nome publicamente seu. Pois ele sabe [264] que a palavra waliy pertence, de fato, somente a Deus, e que quando um ser humano se torna um waliy, supõe-se que ele transcendeu sua posição de “servo” e se colocou na posição de senhor (rububiyah). Mas, quer ele goste ou não, às vezes acontece de um místico transcender sua posição de “servo”. Isso ocorre quando o místico se afoga completamente no Absoluto e perde a consciência de sua própria “condição de servo”.

Deve-se observar que, como waliy é um nome comum a Deus e ao homem, o walayah nunca deixa de existir. Como Deus existe para sempre, a “santidade” existirá para sempre. Enquanto houver no mundo até mesmo um único homem do mais alto poder espiritual que alcance a posição de “santo” — e, de fato, esse homem certamente existirá em todas as épocas — a própria “santidade” será mantida intacta.

Em contraste com isso, a profecia e o apostolado são historicamente condicionados e podem, portanto, ser intermitentes ou até mesmo desaparecer completamente. De fato, sabemos que a cadeia da profecia historicamente chegou ao fim com Muhammad, o último de todos os profetas autênticos. Depois de Muhammad, não existe mais um Profeta que seja ao mesmo tempo um legislador (musham’). Depois de Muhammad, temos apenas o que Ibn Arabi chama de “profetismo geral” (nubuwwah ‘ammah), ou seja, profetismo sem instituição da Lei, que nada mais é do que “santidade”.

Somente esse nome (ou seja, waliy) permanece para sempre entre a humanidade, não apenas no mundo atual, mas também no outro mundo. Quanto aos nomes que são peculiares ao homem, excluindo Deus (ou seja, Profeta e Apóstolo), eles deixam de existir com a cessação da profecia e do apostolado. Deus, entretanto, demonstrou misericórdia especial para com seus servos e permitiu que subsistisse entre eles o “profetismo geral”, que não é acompanhado pela instituição da Lei.

Essa passagem deixa claro que, na concepção de Ibn Arabi, a instituição da Lei (tashri’) constitui uma das características do Profeta. A partir desse ponto de vista específico, ele divide os Profetas em dois tipos: (1) aqueles que instituem a Lei (nabiy musharri‘) e (2) aqueles cuja atividade profética é realizada dentro de uma determinada Lei (nabiy musharra’ la-hu). A primeira categoria é representada por homens como Moisés, Jesus e Muhammad, cada um dos quais instituiu uma Lei específica por meio de um Comando Divino. A segunda categoria é exemplificada por aqueles que, como os sucessivos profetas em Israel, vivem e cumprem sua missão profética dentro dos limites de uma determinada Lei instituída por Moisés.

Ibn Arabi (1165-1240), Qashani, Toshihiko Izutsu (1914-1993)