No início do capítulo anterior, observei que o homem, no pensamento de Ibn Arabi, é concebido em dois níveis diferentes, cósmico e individual. O presente capítulo tratará do segundo desses dois níveis.
O homem no primeiro nível, ou — logicamente — o homem como espécie, está no estágio intermediário entre o Absoluto e o mundo e, como intermediário, ocupa a posição mais alta na hierarquia dos seres criados. Entretanto, assim que começamos a considerar o homem em nível individual, não podemos deixar de notar a existência de muitos graus (maratib). Em outras palavras, no nível cósmico, o próprio Homem é o Homem Perfeito, mas no nível individual nem todos os homens são “perfeitos”; pelo contrário, apenas alguns merecem o título de Homem Perfeito.
Como é possível que uma diferença tão fundamental ocorra entre os dois níveis? Espera-se que qualquer homem, desde que seja um “homem”, tenha a “abrangência” atualizada nele, porque a “abrangência” ontológica pertence à própria natureza da espécie humana. Não pode haver nenhuma exceção possível a esse respeito. Ontologicamente, não pode haver diferença nesse aspecto entre um indivíduo e outro. Tudo isso é certamente verdade. Mas as diferenças individuais surgem de acordo com os graus de lucidez na mente daqueles que se tornam conscientes desse mesmo fato. Todos os homens são naturalmente dotados da mesma “abrangência” ontológica, mas nem todos os homens têm a mesma consciência dessa “abrangência” em si mesmos. Eles têm consciência dela de várias maneiras, desde o mais alto grau de lucidez, que se aproxima muito da Consciência Divina dos Nomes e Atributos, até o mais baixo, que é praticamente o mesmo que a completa opacidade. E somente no mais alto grau de lucidez a mente humana pode desempenhar o papel de um “espelho polido”. Somente no mais alto grau de lucidez o homem pode ser o Homem Perfeito. Essa é a essência de todo o problema.