O Homem Perfeito é o “vice-regente” (khalifah) de Deus na Terra, ou no mundo do Ser. Anteriormente, foi feita referência a esse conceito de forma incidental. A presente seção será dedicada a uma discussão mais detalhada e concentrada desse problema.
O Homem Perfeito tem o direito de ser o “vice-regente” de Deus por causa de sua “abrangência”. Essa ideia, que foi mencionada mais de uma vez no que precede, nos fornecerá um bom ponto de partida para uma análise do conceito de vice-regência.
Depois de afirmar que somente o homem em todo o mundo possui a propriedade única de “ser abrangente” (jam’iyah), Ibn Arabi continua argumentando:
Iblis (Satanás) era apenas uma parte do mundo, não tendo tal “abrangência”. Mas Adão era um “vice-regente” por causa dessa “abrangência”. Se ele não tivesse aparecido na forma de Deus, que o designou como Seu ‘vice-regente’ para cuidar das coisas (isto é, o mundo e tudo o que há no mundo) em Seu lugar, ele não teria sido Seu ‘vice-regente’. Se, por outro lado, ele não tivesse contido em si mesmo todas as coisas do mundo e tudo o que era exigido dele pelas pessoas sobre as quais ele havia sido ordenado a exercer poder soberano, (ele não teria sido Seu ‘vice-regente’). Pois o povo dependia dele, e naturalmente se esperava que ele cuidasse de todas as necessidades do povo. Caso contrário, ele não teria sido um “vice-regente” que os governava (no lugar do rei).
Assim, ninguém tinha o direito de ser o “vice-regente”, exceto o Homem Perfeito, pois Deus criou sua forma “externa” a partir de todas as realidades e formas do mundo, e sua forma “interna” no modelo de Sua própria Forma. É por isso que Deus diz (em uma Tradição): “Eu sou sua audição e sua visão”. Deve-se observar que Deus não diz: “Eu sou seu olho e seu ouvido”. Deus distingue aqui entre as duas formas (ou seja, a forma externa e a forma interna).
O mesmo se aplica a tudo o que existe no mundo (ou seja, assim como Deus aparece em Adão em sua forma, Ele aparece em tudo em sua forma peculiar) de acordo com a exigência da realidade de cada coisa. Entretanto, nada no mundo possui a “abrangência” que é possuída pelo “vice-regente”. De fato, ele obteve (sua vice-regência) apenas por causa de sua “abrangência”.