A teosofia de
Boehme — Pela ênfase sobre a “
Luz da Natureza”, o
paracelsismo é mais unia
filosofia esotérica da Natureza do que unia teosofia propriamente dita, mas é dessa fonte que a teosofia germânica brotará. No século XVI não faltam
teósofos fora da Alemanha, como Jorge de Veneza, Guilherme Postel, outros já citados, aos quais se acrescentariam ainda nomes como Lambert Daneau (Physice christiana, 1571). Mas é de novo na Alemanha que aparece a grande corrente teosófica procedente de Jacob
Boehme (1575-1624). Este é precedido por Valentin Weigel (1533-1588), pastor em Chemnitz, que efetua uma junção da tradição
mística renano-flamenga e do pensamento concreto de tipo paracelsista. Sapateiro em Goerlitz, na Silésia, em 1610
Boehme tem uma experiência visionária desencadeada pela contemplação de um
vaso de estanho, o que decide sua vocação
espiritual e de autor.
Aurora (1612), o primeiro livro resultante dessa iluminação, circula em manuscrito e atrai-lhe problemas junto às autoridades protestantes. Os seguintes terão o mesmo efeito (só Der Weg zu Christo é publicado enquanto ele ainda é vivo, em 1624). Dessa obra abundante, uma das mais espantosas da prosa barroca alemã, citemos (só os títulos são em latim) De tribus principiis (1619), De signatura rerum (1621), Mysterium magnum (1623).
Boehme não é um humanista e, se é tributário de influências, são as de
Paracelso, da
alquimia, decerto da
Qabbalah. Ao contrário de uma concepção medieval e até neoplatônica da divindade, ele não a concebe como estática, mas nela descobre uma luta ardente de princípios opostos. Antes do
ser, existe o Ungrund, liberdade
primordial “sem fundamento”. Não é a razão, mas um princípio irracional, uma vontade, que se encontram na base do
ser.
Boehme não reconhece portanto como entidade
suprema a eleitas, tal como
Mestre Eckhart a concebia e que escapava a qualquer devir, mas antes um
fogo de tipo heraclitiano, um
Deus que jamais está in esse, mas sempre in fieri, que “enxerga” em seu
espelho vivo, na sabedoria
divina, ou Sofia, o
mundo possível. Assim criada por essa
visão, a imagem
divina então deseja, gera magicamente, a imagem temporal. No Ocidente, a Sofiologia, isto é, os discursos inspirados por esse personagem de que se trata no Antigo Testamento, ainda não fora objeto de tantas especulações (porém o Amphitheatrum de Khunrath, publicado em 1595, pôde colocar
Boehme nesse caminho). O tema da Sofia desemboca nas grandes avenidas dessa catedral barroca constituída pela obra de
Boehme: a queda de Lúcifer e de
Adão, a corporeidade
espiritual dos
anjos, a ideia de que qualquer
forma exterior é linguagem ou
figura, os sete “espíritos-fontes que existem desde sempre” etc. Esse “príncipe da teosofia cristã” contribui muito no século XVII para a formação de uma consciência
espiritual numa Alemanha em plena desordem. Contudo, também em outros países, a teosofia continua a florescer irrigada por seu espírito: com
Angelus Silesius (Kerubiminischer Wandersmann, 1657), Johann Georg Gichtel (1638-1710), Gottfried Arnold (1665-1714), Pierre Poiret (1646-1719), Antoinette Bourignon (1616-1680), John Pordage (1608-1681), Jane Leade (1623-1704). Afastada até da teosofia propriamente dita, a escola chamada do
Platonismo de Cambridge (Henry More e Ralph Cudworth) e muitas outras correntes ou autores deixam-se colorir, tentar, por
Boehme e
Paracelso, sob a influência dos quais se unem com tanta frequência fé e
conhecimento.