Julius Evola: Excertos de TRADIÇÃO HERMÉTICA (JETH)

A palavra chemi, de Chema, de que derivam as palavras alquimia e química, aparece pela primeira vez num papiro da XII Dinastia, referido a uma tradição deste gênero.

Mas, qual é o sentido desta arte, da arte dos «Filhos de Hermes», da «ARTE RÉGIA»?

As palavras do Deus teisticamente concebido no mito bíblico da Árvore são as seguintes: «Eis que o homem se tornou como um de nós, em virtude do seu conhecimento do bem e do mal; que não vá agora estender a mão à Árvore da Vida, e, comendo dela, viver para sempre» (Gen., III, 22-24). Há que distinguir nesta citação dois pontos: antes de tudo o reconhecimento da dignidade divina que Adão, em qualquer caso, conquistou; e, além disso, a referência implícita à possibilidade de transpor esta realização na ordem da força universal, simbolizada na Árvore da Vida, e de confirmá-la na imortalidade. — No infeliz desenlace da aventura de Adão, o Deus hipostasiado, que não soube impedir, o primeiro ato, consegue, no entanto, detê-lo em ordem à segunda possibilidade: o acesso à Árvore da Vida fica impedido pela espada de fogo do Querubim. O mito titânico do orfismo tem um sentido análogo: o raio abate e seca, «numa sede que arde e consome», aqueles que «devoram» o deus, sede que está simbolizada na «ave de rapina» que pica Prometeu. E na Frigia chorava-se Átis, «espiga cortada ainda verde», e a sua «castração», quer dizer, a privação do poder viril de que sofre Átis, poderia corresponder à proibição «da potente Árvore do centro do Paraíso» e ao encadeamento de Prometeu à rocha.

Mas a chama não se extingue, transmite-se e purifica-se na tradição secreta da ARTE RÉGIA, que em determinados textos herméticos se identifica explicitamente com a magia e tende para a construção de um segundo «Lenho da Vida» que substitua o partido; visa o acesso «ao centro da árvore que se encontra no meio do paraíso terrestre», o que implica um «combate atroz»; é nem mais nem menos que uma reiteração da antiga temeridade, segundo o espírito do Hércules olímpico, vencedor dos titãs e libertador de Prometeu, de Mitra, subjugador do Sol, e, em geral, daquele mesmo tipo que no Oriente búdico recebeu o nome de «Senhor dos homens e dos deuses».

O que distingue e caracteriza a ARTE RÉGIA é o seu carácter necessitante. Berthelot, a propósito das expressões anteriormente citadas de Tertuliano, diz-nos que: «A lei científica é fatal e indiferente: o conhecimento da natureza e o poder que daí deriva tanto pode ser aplicado no bem como no mal» — e que isto é o ponto fundamental de contraste com a visão religiosa, a qual subordina tudo a elementos de dependência devota, de temor a Deus e de moralidade. E continua Berthelot: «existe algo já desta antinomia no ódio contra as ciências (herméticas) que transparece no Livro de Enoch e em Tertuliano». Exato: embora a ciência hermética não seja a material, que é a que deveria estar na ideia de Berthelot, o carácter amoral e determinante que ele reconhece à última pertence igualmente à primeira. A este respeito, uma máxima de Ripley está cheia de significado: «Se os princípios com os quais se trabalha são verdadeiros e as operações são corretas, o efeito deve ser certo, e não é outro o segredo verdadeiro dos Filósofos (herméticos) .» Agripa, citando Porfírio, fala do poder determinante dos ritos, nos quais as divindades são forçadas pelas rezas, são vencidas e obrigadas a descer; acrescenta que as fórmulas mágicas obrigam a intervir as energias ocultas das entidades astrais, que não compreendem as rezas mas que atuam somente pela existência de um laço natural de necessidade. Também não é diferente a ideia de Plotino: a oração, como fato em si, produz o efeito segundo uma relação determinista, e não porque tal entidade preste deliberadamente atenção à reza propriamente dita.

Num comentário a Zózimo, lê-se: «A experiência é a mestra suprema, porque sobre a base dos resultados provados ensina a quem compreende o que melhor o pode conduzir à finalidade».

A arte hermética consiste, pois, num método determinante que se exerce sobre as forças espirituais, por via sobrenatural se assim quisermos considerar (o simbólico Fogo hermético é com frequência denominado «não natural» ou «contranatura»), mas sempre com exclusão de qualquer classe de laço religioso, moral, final ou, seja como for, estranho a uma lei de simples determinismo de causa e efeito. Referida por tradição aos «que velam» — egregoroi —, àqueles que conseguiram roubar a Árvore e possuir a «mulher», reflete o símbolo «heroico» e aplica-se no mundo espiritual para constituir algo que — como veremos — afirma possuir uma dignidade superior a todo o precedente, que não se define com o termo religioso «Santo», mas sim com o guerreiro de «Rei», sempre um rei, um ser coroado, e uma cor régia, a púrpura, ao cabo da Obra hermético-alquímica, e o metal real e solar, o Ouro, constituindo o centro deste simbolismo, como já temos dito.

Quanto à dignidade de quem tenha sido reintegrado pela «Arte», as expressões dos textos são rigorosas: Zósimo chama à raça dos Filósofos «autônoma, imaterial e sem rei» assim como, também, «guardiães da Sabedoria dos Séculos». É superior ao destino: «Superior aos homens, imortal», diz Pebechio do seu Mestre. «Livre e dono da Vida» tendo «poder para comandar naturezas angélicas», será a tradição posterior até Cagliostro. Plotino tinha falado já da temeridade daqueles que entraram no mundo, ou seja, que adquiriram um corpo, o que, como veremos mais adiante, tem uma relação com um dos significados da queda; e Agripa fala do terror que incutia o homem no seu estado natural, quer dizer, antes de, por causa da sua queda, em lugar de produzir medo, o próprio homem se submeter ao medo: «Este temor que é como a marca de Deus impressa no homem, faz com que todas as coisas lhe estejam submetidas e o reconheçam como superior», como portador do «carácter, chamado Pahard pelos cabalistas, e mão esquerda, e espada do Senhor».

Mas há mais ainda: o domínio das «duas naturezas» que encerra o segredo da «Árvore do Bem e do Mal». O ensino encontra-se no Corpus Hermeticum: «O homem não perde dignidade por possuir uma parte mortal, muito pelo contrário, esta mortalidade aumenta a sua possibilidade e o seu poder. As suas duplas funções são-lhe possíveis precisamente graças à sua dupla natureza, porque está constituído de forma que lhe é possível abarcar ao mesmo tempo o terreno e o divino.» «Assim pois não tenhamos medo de dizer a verdade. O homem verdadeiro está acima deles (dos deuses celestes), ou pelo menos igual a eles. Já que nenhum deus deixa o seu mundo para vir à terra, enquanto que o homem sobe ao céu e mede-o. Pelo que nos atrevemos a dizer que o homem é um deus mortal e que um deus urânio é um homem, imortal.»

Tal é a verdade da «nova raça» que a ARTE RÉGIA dos «Filhos de Hermes» constrói sobre a terra, elevando o que tinha caído, apagando a «sede», restituindo a potência a quem ficou inútil, conferindo olhar fixo e impassível de «Águia» ao olho ferido e cego pelo «relâmpago do raio», outorgando dignidade olímpica, mas régia, a quem foi titã. Num texto místico pertencente ao mesmo mundo ideal, donde a alquimia grega recebeu as suas primeiras expressões, diz-se que a «Vida-Luz», de que se fala no Evangelho de João, é «a raça misteriosa dos homens perfeitos, desconhecida para as gerações anteriores»; e a isto segue-se exatamente uma referência a Hermes: o texto recorda que no templo de Samotrácia se erguia a estátua de dois homens nus com os braços elevados para o alto e com o pênis ereto, «como na estátua de Hermes em Cilene», que representava o Homem primordial, Adamas, e o Homem renascido, «que é em tudo da mesma natureza que o primeiro». E acrescenta: «Antes é a natureza feliz do Homem lá de cima; depois a natureza mortal de aqui de baixo; em terceiro lugar a raça dos Sem Rei que procede lá de cima, donde está Maria, a desejada». Este ser bem-aventurado e incorruptível — esclarece Simão o Mago — reside em todo o ser: acha-se escondido, está em potência, não em ato. Precisamente quem se mantém erguido, quem se manteve erguido e quem se manterá erguido; quem se mantém erguido em cima, na potência incriada; quem se tem mantido erguido aqui em baixo, havendo sido gerado pela imagem (refletida) na correnteza das Águas; quem se manterá erguido de novo em cima junto à potência infinita, quando se torne perfeitamente igual a ela.»