Literalmente “descida”, o provérbio ava- marcando o movimento, o movimento do alto para baixo, e a raiz TR- significando atravessar; a palavra pertence especificamente à tradição vishnuita. Designa as encarnações de Vishnu no mundo do relativo com vistas a restabelecer a Ordem cósmica e moral (dharma) cada vez que esta cambaleia (Bhagavad Gita). Estas encarnações podem ser totais, o Senhor descendo inteiramente em um personagem humano (caso de Krishna e de Ramashandra) ou ser simplesmente parciais. O número destas encarnações, bastante restrito nos textos mais antigos onde só citam quatro, irá crescendo com o tempo. As listas clássicas são ordinariamente de dez, com ligeiras variantes tocando certos titulares, mas o Bhagavat Purana (século X) cita vinte-três adicionando que elas são inumeráveis. Com efeito, se passará a considerar que a pessoa do guru é uma encarnação da divindade que reverencia e, por seus discípulos, será honrado como tal. Esta concepção acabou por prevalecer mesmo em meios shivaitas, pois com o tempo o termo perde sua especificidade e o emprega-se para designar as encarnações de diversas divindades.
As listas clássicas começam por três descendentes zoomórficos:
O peixe (matsya) cuja lenda está ligada à versão indiana do dilúvio; encontra-se já relatada no Stapathabrahmana.
A tartaruga (kurma); o germe desta tradição se encontra no Stapathabrahmana. A lenda mais desenvolvida diz que Vishnu reveste esta forma para servir de pivô à montanha Mandara com a qual os deuses batem o oceano de leite para fazer surgir uma série de tesouros fabulosos.
O javali (varaha) se refere também a uma antiga lenda dos Brahmana e a um culto antigo do porco selvagem. Aqui o javali divino mergulha no oceano para repescar a deusa Terra que lá se encontrava prisioneira.
O Homem-leão narasimha; sob esta forma, Vishnu, no crepúsculo, brota de uma coluna e despedaça o demônio Hiranyakashipu, destruidor do dharma, a quem Brahma acordou que não seria morto nem de dia nem de noite, nem por um ser humano nem por um animal.
A descida do anão (vamana), ligado, desde o Rig-Veda, à lenda dos três passos de Vishnu, é dita se produzir na segunda era do mundo (tretayuga).
Parasurama, “Rama do machado”, aquele que igualmente no segundo yuga, extermina a classe dos guerreiros kshtrya cuja arrogância punha sombra sobre a casta religiosa brahmanes.
Um segundo Rama, Ramashandra, herói da epopeia do Ramayana é uma encarnação total; pertencendo à raça solar, é o modelo dos reis, caçador dos demônios.
Krishna, figura central do Mahabharata, aparece frequentemente não mais como um avataraa mas como a manifestação perfeita de Vishnu; neste caso é seu irmão Balarama que se torna o oitavo avataraa.
Este mesmo Balarama que alterna as vezes com Buda que a maior parte das listas dão também com a descida de Vishnu. Por mais surpreendente que isto possa parecer, é uma sorte de descida “negativa” do deus, destina a desnortear os maus em nossa presente yuga (kaliyuga).
No final do ciclo está prevista a aparição de Kalkin, cavaleiro montado sobre um cavalo. Ele exterminará os maus e restabelecerá a ordem do mundo no começo de novo ciclo (kalpa).
Os avataraa não são a princípio as únicas manifestações possíveis de Vishnu; elas são ocasionais. Como os outros tipos de manifestações, elas respondem, sem denegrir sua integralidade, à necessidade de inserir o Absoluto imutável e inativo no devir do mundo da relatividade. Existe aí uma contradição que é um dos problemas maiores do pensamento indiano. (NP)