Martin Lings: Unicidade do Ser (Waḥdat al-Wujūd)

A doutrina da Unicidade do Ser (Waḥdat al-Wujūd), que ocupa um lugar central em todos os misticismos ortodoxos da Ásia, ocupa um lugar igualmente central no sufismo.

Como é de se esperar em vista de sua centralidade, algumas das formulações mais perfeitas, embora elípticas, dessa doutrina podem ser encontradas no Alcorão, que afirma expressamente: Para onde quer que vos vireis, ali está a Face de Deus. Tudo perece, menos Sua Face. Tudo o que nela existe sofre extinção, e ali permanece a Face de vosso Senhor em Sua Majestade e Bondade.

A criação, que está sujeita ao tempo e ao espaço e a modos não terrestres de duração e extensão que a imaginação humana não consegue compreender, é “então” (com referência ao passado e ao futuro) e “lá”, mas nunca é verdadeiramente “agora” e “aqui”. O Verdadeiro Presente é prerrogativa somente de Deus, pois é nada menos que a Eternidade e o Infinito que transcendem, penetram e abrangem todas as durações e extensões, estando não apenas “antes” de todos os começos, mas também “depois” de todos os fins. Nele, ou seja, no Eterno Agora e no Infinito Aqui, tudo o que é perecível “já” pereceu, tudo o que é passível de extinção “já” foi extinto, deixando apenas Deus, e é a esse Resíduo Divino, o Único Senhor do Presente, que a palavra “permanece” se refere no último versículo citado do Alcorão. Desse versículo, entre outros, vêm os dois termos sufis fanā’ (extinção) e baqā’ (permanecer) que expressam, respectivamente, a extinção do Santo em Deus e sua Vida Eterna em Deus, ou melhor, como Deus.

A doutrina da Unicidade do Ser também está implícita no Nome Divino al-Ḥaqq, a Verdade, a Realidade, pois não haveria sentido em afirmar a Realidade como uma característica essencial da Divindade se algo além de Deus fosse real. A palavra “Ser” expressa essa Realidade Absoluta, pois se refere àquilo que é, em oposição àquilo que não é, e a Unidade do Ser é a doutrina de que, por trás do véu ilusório da pluralidade criada, existe a única Verdade Divina — não que Deus seja composto de partes, mas que, subjacente a cada característica aparentemente separada do universo criado, existe a Plenitude Infinita de Deus em Sua Totalidade Indivisível. (LingsEssencial)

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