Lucille (FLPS) – consciência

Tudo o que conheço na vida, tanto dentro de mim quanto no mundo exterior, está mudando de momento a momento. O que, portanto, pode ser realmente confiável?

Podemos ter certeza de duas coisas. A primeira é que existe consciência, “eu sou”, que nós existimos. Qualquer que seja essa consciência, ela é o que chamamos de “eu”. A segunda coisa de que podemos ter certeza é que algo existe. Quando temos alguma experiência, temos certeza de que existe algo em vez de nada. A esse “algo” chamamos de “realidade”. Podemos não ter certeza de qual é a natureza desse “algo”; no entanto, temos certeza de que existe “algo”. Podemos ter certeza absoluta apenas desses dois fatos.

Não temos certeza de qual é a verdadeira natureza desse “eu” ou desse “algo”, mas o problema não é a nossa incerteza. O problema são nossas pseudocertezas, nossas crenças sobre o que esse “eu” e esse “algo” realmente são. Por exemplo, acreditamos que “eu”, a consciência, está contida na mente e que essa mente está contida no corpo. Entretanto, se nos perguntarmos: “Como sei disso?”, descobriremos que, na verdade, não há nenhuma evidência experimental que corrobore essa afirmação. Trata-se simplesmente de uma crença que adotamos. No entanto, se adotarmos o que está sendo dito aqui como uma nova crença, isso tornará nosso caso ainda pior: não apenas abrigamos a crença original, mas agora outra foi acrescentada a ela. Portanto, temos que descobrir por nós mesmos se é verdade ou não que a consciência surge no corpo ou na mente.

Se afirmarmos que a consciência surge no corpo, deve haver algo presente para testemunhar seu surgimento. Da mesma forma, se afirmarmos que a consciência surge na mente, então, antes de seu surgimento, ou seja, na ausência de consciência, deve haver algo presente para vivenciar seu surgimento. Se houver algo presente para testemunhar o surgimento da consciência, então esse algo seria o que chamamos de “consciência”. Se não há nada presente para testemunhar o surgimento da consciência, então não podemos legitimamente afirmar que ela surge no corpo ou na mente. Portanto, de qualquer forma, quando dizemos ou pensamos que a consciência está no corpo ou na mente, trata-se de conhecimento falso. Se analisarmos mais de perto o que esse falso conhecimento faz por nós em nossas vidas, veremos que ele gera confusão e sofrimento.

Se considerarmos o outro lado da equação, que se relaciona aos objetos, às coisas, à nossa experiência e certeza de que existe algo em vez de nada, seja lá o que esse “algo” realmente for, temos de ver claramente que esses objetos, seja qual for sua realidade última, sempre aparecem na consciência. Portanto, nosso acesso à realidade deles, à verdadeira natureza do que quer que seja experimentado, é sempre feito por meio da consciência. Isso é muito importante e geralmente é ignorado. Presumimos que temos acesso direto às coisas em si mesmas e que essas coisas existem independentemente da consciência, mas não é assim. O que quer que experimentemos, sempre o fazemos por meio da consciência. No entanto, excluímos a consciência de nosso modelo de realidade, que é considerada independente dela.

Que evidência temos de que a realidade, a verdadeira natureza das coisas, é independente da consciência? Absolutamente nenhuma. Acreditamos que isso seja verdade sem evidências. Se nos perguntarmos se já experimentamos algo sem consciência, a resposta será inequivocamente: “Não!” No entanto, com a mesma convicção e em flagrante contradição com nossa experiência real, afirmamos que os objetos existem independentemente e separados da consciência. Essa convicção é a causa principal do conflito e da miséria.

Entretanto, não devemos adotar essa nova perspectiva, mas simplesmente nos libertar da crença de que a realidade é independente da consciência. Estamos, então, abertos a outra possibilidade na qual a realidade, a natureza última das coisas, surge da consciência e, portanto, é una com ela. Afinal de contas, essa é a nossa experiência real.

A abordagem para uma verdadeira compreensão dos objetos, que ignora a presença da consciência, é autolimitada, porque nosso conhecimento da realidade dos objetos só pode ser tão bom quanto nosso conhecimento da consciência. A abordagem científica da realidade ignora esse fato propositalmente. Ela limita sua investigação ao domínio dos fenômenos do mundo, esquecendo-se do fato de que eles são inseparáveis da consciência. Portanto, o conhecimento obtido por esses meios é inerentemente limitado, porque o escopo da investigação é limitado desde o início.

Se o único caminho para o conhecimento absoluto é por meio da consciência, como vamos proceder? Simplesmente vendo, olhando. A consciência, aquilo de que temos certeza absoluta, seja o que for, é também aquilo que chamamos de “eu”. No entanto, negligenciamos esse “eu”, esquecemos nosso Si, o excluímos da maneira como vemos e entendemos o mundo e sobrepusemos a ele crenças, conceitos e sentimentos que foram herdados de nosso ambiente, de nossas experiências e talvez até de nossos genes.

Tudo o que precisa ser feito para perceber a verdadeira natureza da realidade é liberar a consciência das crenças, conceitos e sentimentos acumulados que sobrepusemos a ela. Fazemos isso simplesmente por meio da visão, do acolhimento. Para que isso seja realizado, precisamos de uma certa qualidade de energia, de intensidade, que chamo de amor pela verdade.

 

Francis Lucille