(Panofsky2019)
Tudo o que Dürer nos diz sobre sua gravura está numa inscrição em um esboço do “putto” (Figura 8), explicando o significado da bolsa e do molho de chaves pendurados no cinto da Melancolia:
“A chave significa poder, a bolsa riquezas.”
Essa breve frase tem sua importância, pois estabelece um ponto que já seria suspeitável: a conexão da gravura de Dürer com a tradição astrológica e humoral da Idade Média. Ela revela dois traços essenciais do caráter tradicional que, para Dürer e seus contemporâneos, era típico tanto do homem melancólico quanto do saturnino.
Nas descrições medievais do melancólico, ele sempre aparecia como avarento e mesquinho — e, portanto, implicitamente, rico. Segundo Nicolau de Cusa, a capacidade do melancólico de obter “grandes riquezas”, mesmo por meios desonestos, era um sintoma da “melancolia avarenta”. Se, nessas descrições, o “poder” (naturalmente associado à propriedade, simbolizado aqui pelas chaves que podemos supor abrirem o cofre do tesouro) era um mero complemento às “riquezas”, ambas as características estavam expressamente unidas nas descrições tradicionais de Saturno e seus filhos.
Pois, assim como o mitológico Kronos-Saturno — que, além de suas outras características, era distribuidor e guardião das riquezas — era na Antiguidade não apenas o protetor dos tesouros e inventor da cunhagem de moedas, mas também o soberano da Idade de Ouro, ele também era cultuado como governante e rei. Na hierarquia planetária, Saturno não só assumia o papel de tesoureiro e fonte da prosperidade, mas, como na Babilônia, era temido e honrado como o “mais poderoso”. E, como sempre ocorre na astrologia, todas essas propriedades eram transmitidas aos que estavam sob seu domínio.
Numa antítese digna do próprio Saturno, as fontes astrológicas nos informam que, além dos pobres, humildes, escravos e ladrões de túmulos, Saturno governa não só os ricos e avarentos (“Saturnus est significator divitum”, diz Abu Ma’sar em Flores astrologiae), mas também “aqueles que governam e subjugam os outros”. Um manuscrito de Cassel afirma que o filho de Saturno é um “vilão e traidor”, mas também “amado pelas pessoas nobres e que conta os mais poderosos entre seus amigos”.
Não surpreende, então, que, ao passar dos textos para as imagens, encontremos a combinação desses dois símbolos — interpretados por Dürer como sinais de “poder” e “riquezas” — mais frequentemente em representações de Saturno do que de melancólicos. Num manuscrito do início do século XV, Saturno não só carrega uma bolsa na cintura, mas segura duas chaves enormes, que obviamente pertencem aos baús (alguns abertos, outros fechados) ao seus pés.
Já a bolsa de Dürer aparece frequentemente em imagens de melancólicos, pois, como símbolo secular de riqueza e avareza, tornou-se um elemento constante dessas representações no século XV. Uma das figuras marginais na imagem de Saturno no manuscrito de Erfurt lembra as de manuscritos de Tübingen e do Vaticano, posicionada diante de um cofre coberto de grandes moedas. No manuscrito de Tübingen, a semelhança do melancólico com seu patrono planetário é tão grande que ele se apoia numa pá, em postura típica do deus da agricultura, prestes a enterrar seu baú de tesouro.
Mas no segundo melancólico do manuscrito de Erfurt, riqueza e avareza não são mais simbolizadas por um baú, e sim por uma bolsa — atributo que se torna tão típico que exemplos do século XV são incontáveis. Até a Iconologia de Cesare Ripa, ainda usada no Barroco, jamais representaria o melancólico sem sua bolsa (Figura 68). Esse motivo levou o ponderado Appelius a considerar o apóstolo Judas um melancólico:
“Os melancólicos, cuja característica mais notável é a avareza, são bem adaptados aos assuntos domésticos e ao manejo do dinheiro. Judas carregava a bolsa.”