UM MANUSCRITO DE MOBY DICK
A ênfase nesta declaração é a chave para resolver as dificuldades aparentes na última frase das notas no volume de Shakespeare:
“It & right reason extremes of one,
—not the (black art) Goetic but Theurgic magic-
seeks converse with the Intelligence, Power, the Angel.”
Considerei “it” para referir a “loucura” da frase precedente. “Right reason”, menos familiar no século XX, significava mais no século anterior, pois para a terminologia de Kant-Coleridge, “razão pura” descrevia o mais alto nível da inteligência e se opunha a “entendimento”. Melville usou a frase em “Mardi”. O que ele faz lá com isso divulga qual o sentido tinha para ele quando usou nas notas criptografadas para a composição de “Moby Dick”. “Mardi”:
“Razão pura, e Alma (O Cristo), são o mesmo. Senão, Alma não a razão, rejeitaríamos. O grande mandamento do Mestre é o amor, e fazer aqui todas as coisas sabiamente, e todas as coisas bem, é unir. O amor é tudo em tudo. Quanto mais amamos, mais conhecemos e inversamente.”
Agora, voltando às notas, se a frase “not the (black art) Goetic but Theurgic magic” é reconhecida como um parêntesis, a sentença tem alguma clareza: “loucura” e sua aparente oposição “Razão pura” são dois extremos de um caminho ou anseio para alcançar a “Inteligência, o Poder, o Anjo”, ou, simplesmente, Deus.
Os adjetivos no parêntesis apoiam esta interpretação. “Goetia deveria parecer derivar de Goethe e seu Fausto, mas sua origem é o grego “goetos”, significa variavelmente embusteiro, prestidigitador, e como aqui mágico (Platão chama literatura “Goeteia”)”.1 De onde Melville tomou a palavra que significa isso, como ele disse, para “magia negra”. “Teurgia”, ao contrário, é o termo próprio para designar uma arte esotérica dos neoplatônicos, pelo qual o socorro da divindade era requisitado, graças às purificações, aos ritos sagrados. E, então, se opondo “Goetia”Goetia a “Teurgia”Teurgia, Melville retoma uma distinção tão antiga quanto a Caldéia entre as magias negra e branca, a primeira sendo dos demônios a segunda dos santos, a dos anjos, a primeira maléfica, a segunda benéfica. Pois, a magia branca ou “Teurgia”2, como a “loucura” e a “razão pura” buscam a Deus, enquanto a magia negra ou “Goetia”3 persegue unicamente o demônio.
Reporte-se agora à “Moby Dick”. No mundo de Acab, não tem lugar para “conversar com a Inteligência, o Poder, ou o Anjo”. Acab não pode aí sustentar, pois, entre ele e Fedalah, existe um pacto como amarrando da mesma forma que Fausto à Mefistóteles. A hipótese de Melville, é que, se Acab e Fausto estão todos os dois em busca da verdade, um pacto com o mal fecha a porta à verdade. A magia de Acab, é tão duradoura quanto seu ódio subsiste, é uma magia negra. Acab não procura conversa sincera.
A “loucura”, ao contrário, procura, e Pip é louco, possesso por uma insanidade que é “o sentido do céu”. Quando o pequeno negro quase se afoga, sua alma desce às maravilhosas profundezas e lá ele “viu o pé de Deus sobre o pedal do tear”4, e disse isso”.5 Por meio deste acidente, Pip, de toda tripulação, torna-se “introdutório do tempo eterno” e acaba assim a conversa a qual Acab se excluiu por sua blasfêmia. O capítulo “O Dobrão” (“The Doubloon”, Chapter 99) dramatiza o esforço dos principais personagens para atingir a verdade. Neste local Starbuck, em sua “mera virtude de pouca ajuda”, é revelado por ter fé não permanente: bate em retirada diante da “Verdade”, temendo perder sua retidão… A jocosidade de Stubb e a estupidez de Flask, pesadas como argila, embotam a espiritualidade… O homem da Ilha de Man tem mera superstição, Queequeg mera curiosidade… Fedalah reverencia malvadamente o dobrão… Acab vê a moeda de ouro solipsisticamente: “três montanhas tão orgulhosas quanto Lucifer”, e todas chamadas “Acab!”6 Pip sozinho, de todos, tem verdadeiro pressentimento: nomeia o dobrão o “umbigo” do navio — “Verdade” é vida.
In:“Goeteia and Magic”; “Plato and the Neoplatonists on magic”; “Magic, Matter and the Return of the Soul”, Olivier Dufault, “Magic and Religion in Augustine and Iamblicus”. ↩
Em latim: operação mágica; evocação de espíritos ↩
Possível alusão ao mito de Arachne, “Arachne, like many other foolish mortals, had dared to question the supremacy of the gods. She had, in her arrogance over her art, been blind to the consequences of challenging the gods.” In: Arachne; e também Evaristo Eduardo de Miranda em seu livro “Animais interiores — Nadadores e rastejantes”, Edições Loyola, 2004, 449 p., ISBN 8515029669 na página 392 escreve o seguinte: “Uma temática repleta de simbolismos mediterrâneos, greco-romanos, ligados à vida e ao destino, à construção do espaço seguindo o fio do tempo. Na mitologia grega, Aracne quis medir-se na arte de tecer com Athena, a deusa da razão superior e a mestra dos tecidos. … transformou-a em aranha. Desde então, ela não cessa de balançar-se na extremidade de um fio. Um símbolo da decadência do ser, da ambição demiúrgica punida. E traz um aviso: ninguém pode rivalizar com os deuses” ↩
“He saw God’s foot upon the treadle of the loom, and spoke it;” In: Final do 13°§ do Capítulo 93 — “The Castaway” existe publicação com tradução para “O Náufrago” um dos significados; entretanto, para uma tradução mais precisa deveria ser “O Alijado”. ↩
“… three peaks as proud as Lucifer. The firm tower, that is Ahab; the volcano, that is Ahab; the courageous, the undaunted, and victorious fowl, that, too, is Ahab; all are Ahab; and this round gold is but the image of the rounder globe, which, like a magician’s glass, to each and every man in turn but mirrors back his own mysterious self.” ↩