Simbolismo
Jurgis Baltrušaitis: La Edad Media fantástica. Antigüedades y exotismos en el arte gótico
Contribuição e tradução anotada de Antonio Carneiro das pp.153-174, excertos do Capítulo V — Asas de morcego e demônios chineses.
II — Asas de Morcego e Demônios Extremo-Orientais.
Ying-Long. Homens alados. O Inferno de Li long-mien2 . O Deus-Trovão, Lei-Kong3 . Correspondências ocidentais: demônios com seios de mulher, demônio arborescente4 , demônio com tromba de elefante, demônio unicórnio com orelhas grandes, demônio cinocéfalo (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinocéfalo). As armaduras de T’ang.
De onde vem estes novos atributos do diabo? O Islão os tem utilizado ao mesmo tempo, ainda que, de uma maneira menos completa que o Ocidente. O dragão combatido por Samurais, em uma cópia persa de fábulas de animais de Ibn Buhtyasu datado em 1291, uma das primeiras ilustrações conhecidas no reino mongol, não difere do monstro abatido por um São Jorge ou um São Miguel góticos. O mesmo pode-se dizer do dragão que ataca o filho de wp-pt:Fereydoun em um ShÄh NÄmÄ de começos do século XIV. Posto que,pertencem a uma época em que o sistema admitia universalmente, estas figuras não bastam para estabelecer suas origens, mas, indicam pelo menos uma direção e ajudam a compreender o caráter: o Extremo-Oriente, terra de dragões, se reconhece à si-mesmo em cada uma das dobras deste animal.
Os homens com asas de morcego nasceram netas regiões. Estudando adornos de bronze do período Zhou (séculos XI-III a. C.), Leroi-Gourhan individualizou um grupo de morcegos difundido sobretudo no segundo registro. Vemos aqui tanto ao quiróptero estilizado, mas perfeitamente reconhecível, como o que se combina com elementos humanos. assistimos assim à metamorfose do quiróptero em homem e do homem em quiróptero. Trata-se da gênesis de toda a dinastia de deuses e de demônios voadores (fig.113 e 114).
Mas a coleção mais completa a vemos em um rolo do Museu Guimet de Paris. O makenono leva várias anotações. Uma delas está formada por Yu-Chi, um erudito no final do século XIII, outra por Chao Mêng-fu o mais célebre pintor Yan que o atribui a Li Long-mien, e o data em 1081. trata-se de uma cópia somente muito conhecida em China, mas cuja exatidão está atestada por uma segunda réplica conservada em Inglaterra. O tema destes desenhos é a história de Kuei-tseu-Mou Chen5 , mulher do senhor do Inferno. Este personagem teve dez mil filhos, mas se alimentava, depois de havê-los matado, dos ramos alheios, até o momento que seu filho mais jovem, Pin-chia-lo, o preferido, foi encerrado dentro de um copo de vidro e libertado por Buda, em troca da promessa de que, a partir de então renunciaria a estes festins. A cena representa a ogra chamando suas tropas para que acudam em auxílio do filho. Ante nós desfila todo o Inferno. Entre os seres fantásticos com asa de quiróptero, providos de escama miúdas, vemos uma mulher com garras de pássaro, um personagem com cabeça de hiena, um vampiro com rabo de raposa e orelhas de lebre, finalmente cinco homens de cabeça em forma de pássaro que se elevam aos ares brandindo lanças ou disparando seus arcos (fg.116). H. Maspero os identificou como Tronos6 . As divindades já se conheciam na época Chang, e quase não mudam até o taoismo moderno. Ao seu príncipe Lei-Kong, se lhe representa habitualmente com um torso humano, uma cabeça de macaco com bico de ave de rapina, pés com garras e asas de morcego. São também divindades castigadoras, armadas para golpear aos culpados de um grande crime que a lei humana não pode alcançar (ver Erinias). A arte popular a censurará sob este aspecto.
O demônio abatido por São Miguel de um quadro de São Sebastião (século XV), reproduz exatamente a anatomia do deus-trono (figuras 120 e 121). Outros exemplos de extrema singularidade, que encontramos aqui e acolá, podem completar estas comparações: os demônios com seios de mulher, os demônios-árvores, os demônios com trombas, os demônios com grandes orelhas e um só chifre.
Jerônimo Bosch retoma o motivo dos demônios arborescentes, na Tentação de Lisboa, dois deles, cobertos por uma árvore seca se misturam um tropel de monstros. Não se trata de descendentes de antigas ninfas metamorfoseadas em plantas e fixadas ao solo por raízes profundas, mas sim que formam parte — como no desfile de Li Long-mien — de uma horda de diabos em movimentos. E no centro do Inferno — sobre a tábua direita do Jardim das Delícias — se ergue todavia um homem constituído com troncos nodosos. No quadro do Prado, sua carapaça está quase desfolhada, mas um desenho da Albertina nos mostra eriçado, com o pintor Song (fig.122). Amarrada à um pau, ondeia uma bandeira com a meia-lua “turca”, emblema de heresia e do Oriente. sem dúvida, estas “árvores ocas’ são símbolos alquímicos, mas sua transformação em criaturas humanas deriva de uma demonologia exótica.
LEITURAS COMPLEMENTARES:
- Les envoyés des peuples tributaires, Texte de Charles-Eudes Bonin . IN: TCHANG Yi-tchou et Joseph HACKIN (1886-1941): La peinture chinoise au musée Guimet. Annales du Musée. Geuthner, Paris, 1910.
- La conversion de HÄrÄ«tÄ« au Buddha : origine du thème iconographique et interprétations picturales chinoises , Emmanuelle Lesbre , Arts asiatiques , 2000, volume 55, numéro 55, pp. 98-119.
- Hârîtî, la Mère-de-démons, Nöel Peri, Bulletin de l’Ecole française d’Extrême-Orient, 1917, volume 17, numéro 17, pp. 1-102.