Aldo Nove, Prefácio a Essere è amore
É difícil descrever o emaranhado de emoções que a primeira leitura de Nisargadatta despertou em mim (já devem ter se passado trinta anos desde então). Esse livro, I Am That (Eu Sou Isso), a pedra angular do pensamento místico indiano contemporâneo (mas será que existe algo como contemporaneidade em uma tradição milenar que muda os mestres, mas não a essência atemporal de seus ensinamentos? Nisargadatta aceita as digressões, responde, embora sarcasticamente, à curiosidade daqueles que vieram de todas as partes do mundo para ouvir suas palavras. Com o passar dos anos e de sua doença, o discurso se torna mais rarefeito e, ao mesmo tempo, rigoroso. Perto de abandonar essa forma temporal, Nisargadatta não pode desperdiçar palavras. Ser é amor vai direto ao alvo e nos prende aí. Mas, sempre, em uma primeira leitura (como na décima quinta) suas palavras queimam. Elas ardem na alma para regenerar o caminho do autoconhecimento, sempre empurrando para além da barra que separa o conhecido do desconhecido, o ego do infinito. O que acredito que todos percebem ao lê-lo é que não há lugar ou condição em que se possa descansar. Pelo menos enquanto a pessoa for sujeito de alguma coisa.
No palco da grande ilusão deste mundo, de sua existência, tudo deve desaparecer. E então o palco deve desaparecer.
E o teatro.
E tudo ao redor deles.
Até que o vazio ou o ser, também esvaziado de uma essência que nunca teve de fato, possa se render ao todo-amor que, para todo o sempre, vibra imperturbavelmente.
Todo amor é pura presença. Todo amor não contempla nada além de si mesmo, que não está aí.
Eu sou isso.
Nós somos isso.
E se ninguém nasce e ninguém morre, tudo o que nos prende a esta existência é o que nos impede de seguir o caminho definitivo, desde quando algo começa a se perceber como um ser, esse algo determinado e fiel a si mesmo entre infinitas outras coisas, no precipitado ilusório de ondas universais que se despedaçam, no final, contra seu próprio andaime de mentiras, a mente cúmplice, suprema e desonesta enganadora, nosso amor parcial, muito parcial, que morre, a cada dia, mais e mais.
Até ser completamente curado.
Mauro Bergonzi é um dos poucos italianos que tiveram a sorte de conhecer Maharaja Sri Nisargadatta em 1981, ou seja, durante os satsangs cujas transcrições estão reunidas aqui. Ele se lembra de seus olhos pequenos e negros, de seu olhar ardente. E ele se lembra de como Nisargadatta se dirigiu diretamente a ele dizendo, ex abrupto: “Não se perca nos mil ramos das mil perguntas, mas vá direto à raiz. Para a única pergunta que importa. Eu o colocarei aí. Na verdade, eu o enterrarei nela. E ficarei aí. Até que o que procura desapareça. Então você se encontrará além. No desconhecido.
Perinde ac cadaver, disse Santo Inácio de Loyola sobre sua conversão: “da mesma forma que um cadáver”. Para Nisargadatta, é precisamente uma questão de “morrer” para sempre.
Mas o que, quem morre?
Aquilo que não é tudo.
Aquilo que não é Ser.
Aquilo que não é Amor.
O ego.
Então, permanece (termo arriscado, esse “permanece”) o Ser. Que é o amor absoluto e incondicional, sem divisão, sem diferença (“algo completamente impessoal”, diz Nisargadatta em outro lugar). Esse “algo” (em referência à nossa experiência, quando é realizado ao se consumar completamente) se expande para ser o universo inteiro e todos os universos e é inexprimível. Eu o chamo de tuttoamore para brincar com as palavras como intuitivamente sinto que seja, e obviamente de forma arbitrária, em italiano, possibilitado por uma improvável lacuna linguística e, talvez por isso, eficaz.
Quando me pediram para escrever o prefácio do livro vertiginoso que vocês têm em mãos, tive a sensação de uma grande honra, mas também a de estar embarcando em uma missão impossível. De fato, não se pode falar sobre esse livro, porque ele vai além de qualquer possibilidade de expressão humana (“Trasumanar significar per verba / non si poria”, disse um homem muito famoso que está bastante familiarizado com esses temas). Nisargadatta dá um chute na bunda de toda pretensão intelectual, e o faz com amor.
Kundera disse que todo livro serve para ir além de todo livro, e isso, mesmo sem saber, ele tenta fazer.
Mas, continua Kundera, esse livro, talvez, nunca seja escrito.
E, de fato, Nisargadatta, assim como Buda e Cristo, nunca escreveu um livro.
De alguma forma, ele destruiu todos eles.
Como Buda.
Como Cristo.
tuttoamore. Mais do que isso não é dado. Aqui está o paradoxo extremo do misticismo e do sublime mentor que foi Sri Nisargadatta Maharaj. Na meta não há mais nada.
Ou, não há ninguém.
O que temos a ver com o Ninguém?
Temos a ver com ele.
Mas, como escreveu Rainer Maria Rilke, “é difícil estar morto”.