“O Idiota” (Berdiaeff)

Berdiaeff, L’esprit de Dostoïevski. (1945) [1974] 

A concepção do Idiota opõe-se à do Adolescente e dos Demônios. Em O Idiota, a ação não se dirige para a figura central, o príncipe Míchkin, mas, ao contrário, parte dele em direção aos outros personagens. É Míchkin quem resolve o enigma de todos, especialmente o das duas mulheres, Aglaia e Nastácia Filíppovna. Ele as auxilia, repleto de pressentimentos proféticos e de clarividência intuitiva. As relações humanas são a única questão à qual ele se dedica por inteiro. O furacão [49] se desencadeia ao seu redor, mas ele próprio vive em um êxtase silencioso.

Vimos que o princípio enigmático e irracional, verdadeiramente “demoníaco”, presente em Stávroguin e em Versílov, incendiava a atmosfera ao redor, gerando um turbilhão infernal. Já o princípio igualmente irracional, porém “angélico”, da natureza de Míchkin, não cria por si só a obsessão, mas é incapaz de exorcizá-la ao seu redor — embora, com toda a alma, Míchkin deseje ser um curador.

Míchkin não é um homem completo, no sentido que Dostoiévski atribuía a esse termo. Sem dúvida, sua natureza é de essência serafica, mas deficiente. O homem completo, Dostoiévski tentará representá-lo mais tarde em Aliócha. É muito interessante observar que, entre os heróis de Dostoiévski, enquanto os “tenebrosos” — Stávroguin, Versílov, Ivan Karamázov — são aqueles que os outros tentam decifrar e para os quais converge toda a ação, os “luminosos” — Míchkin, Aliócha — são os que decifram os demais e servem como ponto de partida para a ação.

Aliócha decifra Ivan (“Ivan é um enigma”), Míchkin lê a alma de Nastácia Filíppovna e de Aglaia. Enquanto os “luminosos” são dotados do dom da profecia e tentam ajudar os outros, os “tenebrosos” possuem uma natureza enigmática que perturba e tortura aqueles que os cercam. Essa é a concepção de um movimento centrífugo e centrípeto [50] entre os seres que anima os romances de Dostoiévski.

 

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