Padoux (APPA:nota) – hŗdaya – coração

hŗdaya: Abhinavagupta menciona o coração já na introdução de seus dois comentários sobre o T.P.. Isso se deve ao fato de ser um conceito muito importante no Xivaísmo da Caxemira e, mais especialmente, no sistema pratyabhijñā, que é o de Utpaladeva. Além disso, é particularmente normal aludir a ele aqui, uma vez que o ensinamento secreto do T.P. é o do “germe do coração” (hrdayabīja), SAUH.

O Coração é o próprio centro de Śiva, do princípio transcendente. É o local de repouso do Senhor, a plenitude da Consciência, anterior a toda manifestação. É definido da seguinte forma por Utpaladeva no I.P.K. (1.5.14): “Essa fulguração, realidade infinita, que está além do espaço e do tempo, é a essência de todas as coisas e é chamada de Coração do Senhor Supremo”. Abhinavagupta, em seu comentário (I.P.v. 1.5.14, vol. I, p. 263), equipara-o ainda com parā vāk, a Palavra Suprema, a fonte e o fundamento da Energia da Palavra.

No P.T.v. (p. 61), Abhinavagupta define o Coração como “o si da Consciência” (samvidātma hŗt), ou seja, aquilo que lhe é mais interior, pois é a Consciência que se torna consciente de si mesma, que está viva e é a fonte de toda energia. É também no coração — não no órgão com esse nome localizado em seu peito, mas no próprio centro de sua consciência e vida espiritual, naquele lugar que é ao mesmo tempo vibrante e perfeitamente imóvel — que o yogin se identificará com samvid por meio de uma intuição compreensiva (hŗdayamgamatā). Os autores do Trika veem nessa noção fundamental do sistema pratyabhijnā a razão da superioridade desse sistema em relação aos outros, pois assim ele garante a penetração na interioridade mais profunda, que é a consciência luminosa e viva.

Assim como tudo repousa na Consciência, tudo também repousa no Coração.

Sem voltar tão longe quanto o Rg-Yeda (sobre o qual ver o estudo de L. Renou em “Études sur le vocabulaire du Rg-Veda”, Ire série, pp. 60-61), deve-se notar que os valores do termo hŗd ou hŗdaya, como os encontramos aqui, já são encontrados no antigo Upaniśad, onde é ao mesmo tempo o órgão físico, a realidade mais elevada, o brahman (por exemplo, BĀ. Up. III.9, 19-25, ou ainda IV, 1, 7, onde o coração é o receptáculo, o lugar de repouso de todas as criaturas: hrdayam … sarvesām bhūtānām pratisthā), uma caverna secreta e o centro da intuição da realidade. (Sobre os significados dessa palavra no Veda e no Upaniśad, pode-se fazer referência à edição de J. Varenne do Mahānārāyana Up. 2, pp. 5862; ou a J. Gonda, The vision of the Vedic Poets, capítulo XII: Algumas notas sobre a função do “coração”).

André Padoux (1920-2017)