Raimon Panikkar — A EXPERIÊNCIA DE DEUS
O DISCURSO SOBRE DEUS
Um discurso de todo nosso ser
E este não é somente um discurso do sentimento, da razão, do corpo, da ciência, da sociologia, nem mesmo da filosofia ou da teologia acadêmicas. Nenhum instrumento pode localizar Deus. O discurso sobre Deus não é uma especialidade elitista de qualquer tipo que seja.
Não temos necessidade de mediações para nos abrir ao mistério de Deus. Para falar, sentir, ser conscientes de Deus, temos certamente necessidade da mediação da linguagem, do sentimento, da consciência. Mas não temos necessidade de uma linguagem particular, de um sentimento determinado, de um conteúdo de consciência especial. A única mediação possível é nosso ser próprio, nossa existência nua, nossa entidade própria entre Deus e o nada.
O Livro dos 24 Filósofos, tão citado e tão estimado dos escolásticos cristãos, enuncia em sua proposição 4: Deus est oppositio ad nihil mediatione entis, “Deus é a oposição ao nada pela mediação do ser”. Não há outra mediação senão nós mesmos. Não temos necessidade de mediação, porque esta última que somos, nosso ser, é precisamente mediação: “A criatura é a mediação (o mediador) entre Deus e o nada”, escreveu Tomás de Aquino. Em resumo, esse est coesse, “ser, é ser com”. Não há monismo absoluto.
A experiência humana de todos os tempos sempre tentou exprimir um “mistério”que se encontra tanto na origem quanto no fim de tudo o que somos,sem nada excluir. Deus, se “é”, não pode se encontrar nem à direita nem à esquerda, nem no alto nem em baixo, qual quer que seja o sentido que demos a estas palavras. Pretender situar Deus de nosso lado, contra os outros, é simplesmente uma blasfêmia.