Pastoreio Boi I

BUDISMO — CHAN — LEX HIXON — A ILUMINAÇÃO DE YAEKO (I)
”Excertos de “O Retorno à Origem”, de Lex Hixon”

Um dos enganos que surge repetidamente durante o longo processo da Iluminação é a rejeição prematura da instrução e orientação espiritual. Para o praticante adiantado, este engano não deriva da egolatria habitual e sim do êxtase não assimilado, que confere um caráter definitivo ao nível de Iluminação que ele ou ela alcançou. Contudo, a Grande Iluminação de Yaeko, embora não seja definitiva, é certamente bem mais clara do que o kensho, ou o primeiro vislumbre da Verdadeira Natureza. Assim escreve Yaeko: Aqueles que só possuem kensho não conhecem este estado de liberdade ilimitada e profunda paz mental. Na verdade, ele só pode ser conhecido quando se alcança a Iluminação total. Se depois de ler esta carta você ainda disser tolices para mim, não hesitarei em afirmar que sua própria realização está ausente. O termo tolice é usado pelos praticantes do Zen para descrever algum conceito espiritual, como a prática voltada para uma meta ou a purificação gradual, que implique qualquer obscurecimento da Verdadeira Natureza. Essa tolice, ou ilusão de dualidade, é um aspecto inevitável de cada estágio da Iluminação, e o conceito absurdo da Iluminação em si ainda permanece com Yaeko. Harada Roshi exclama: Bom! Bom! Este é denominado o estágio de se erguer no topo de uma montanha solitária, ou voltar para Casa. E contudo preciso falar tolices com você. Um dia você vai compreender por quê.

Yaeko mergulhou tão profundamente no êxtase que é capaz de alegremente ameaçar seu mestre Zen, de pôr em dúvida sua realização. Ela se percebe como um mestre totalmente realizado, ou um sábio: Quando penso que realmente cumpri o Grande Voto feito por mim através de incontáveis vidas passadas e que agora posso sustentar o dokusan, sou infinitamente grata. Mais tarde, Yaeko vem a considerar essas observações como resultado de um êxtase não assimilado e retira a prematura afirmação de ser um roshi que pode oferecer aos outros o dokusan, ou orientação espiritual para a Iluminação. Quanto à afirmação de Yaeko de ter transcendido a condição de discípulo, Harada Roshi observa: Ainda é muito cedo. Ainda assim, quantos dentre aqueles chamados de iluminados demonstraram tal segurança interior? Para Yaeko não existe mais a necessidade de compreender a Verdadeira Natureza ou de aprofundar essa compreensão, pois esses projetos são agora percebidos como tolice. Existe apenas o senso de segurança de que todo seu ser já é a Verdadeira Natureza. A segurança de Yaeko é reconhecida por seu guia iluminado como a confirmação de que ela realmente voltou para Casa. Assim proclama Yaeko: Nem Budas nem demônios podem ME amedrontar. Este estágio não pode ser descrito. Esqueci de tudo e retorna à minha verdadeira Casa de mãos vazias.

Embora ela tenha voltado para Casa, para a expansão vazia e radiante da Mente Original, o compromisso compassivo de Yaeko para com todos os seres se intensifica. E embora ela não mais precise de qualquer disciplina espiritual ou prática especial, seu desejo de uma lucidez cada vez maior se expressa espontaneamente, através de cada pensamento e percepção da vida cotidiana. Agora posso dar início à interminável tarefa de salvar cada ser humano. Isso ME faz tão feliz que dificilmente consigo ME conter. Tudo é radiância, pura radiância. Posso agora progredir eternamente na direção da perfeição numa harmonia natural com minha vida cotidiana. A luz das palavras progredir eternamente na direção da perfeição, as dez imagens do Pastoreio do Boi tornam-se tolices, porque as dimensões da Iluminação são vistas como infinitas, cruzadas e recruzadas, de muitos modos, eternamente. Harada Roshi alegremente responde: Você de fato compreende. É exatamente assim. Quantos dos homens chamados Zen nos dias de hoje alcançaram esse profundo entendimento?… Sou tão grato por ter um discípulo como você, que agora posso morrer feliz. Yaeko enfatiza ainda mais que o processo da Iluminação é eterno ao escrever: Fui ressuscitada, como você e tudo o mais, por toda a eternidade. A visão budista ensina, do ponto de vista da pessoa que busca, que todos os fenômenos estão em contínua mudança, e contudo Yaeko insinua, do ponto de vista do sábio, que ela e todos os fenômenos foram ressuscitados para sempre. Ela revela aqui que a Iluminação é intemporal, que não está vinculada ao surgir e desaparecer de momentos individuais ou de civilizações inteiras e sim que brilha através de todos os fenômenos, irradiándoos com um senso de eterna presença.

Prossegue Yaeko: Somente você consegue entender minha mente. E contudo não existe nem eu nem você. Meu corpo e minha mente desapareceram completamente. Quando a pessoa não sintonizada com a Mente Original olha para o corpo, para a mente e para o mundo, estes lhe parecem opacos, ou sólidos, e ela encontra uma aparente separação e fragmentação. Para o sábio, ao contrário, toda estrutura se revela transparente, não toldando de modo algum o fluxo da Verdadeira Natureza. Assim, Yaeko continua a escrever e demonstrar gratidão a Harada Roshi, embora ela o perceba, bem como a si mesma, como perfeitamente transparente para a Verdadeira Natureza. Diz Yaeko: Estou no centro do Grande Caminho, onde tudo é natural, sem esforço, sem pressa ou hesitação; onde não existem Budas, nem você, nada; e onde posso ver sem meus olhos e ouvir sem meus ouvidos. Não existe nem um vestígio do que escrevi. Não há papel nem caneta nem palavras — absolutamente nada. Yaeko expressa aqui com autenticidade sua Iluminação. Após escrever esta carta extática, ela vê as palavras e os conceitos desaparecerem imediatamente na expansão da Mente Original. O roshi observa: Este grau de Iluminação é… a verdadeira realização do caminho. É o retorno à própria Casa.

Lex Hixon