Fragmentos dos escritos do espólio de Fernando Pessoa, organizado por Pedro T. Mota, sobre o tema «ROSEA CRUZ».
53B-33 (m)
R.-C. … ou Bacon — Shakespeare
3 ordens da R. Cruz:
(1) a interior, oculta,…; que tem os segredos grandes; que ninguém conhece; que sabe os símbolos supremos.
(2) as esotéricas, que escrevem (R. Fludd); que sabem os símbolos secundários, mas ainda assim compreendendo-lhe de certo modo o alcance; e aqueles atos supremos-alquimia, prolongamento (não-eterno) da vida, etc. Sabem os símbolos metafísicos, conquanto não os conheçam supremamente.
(3) os exotéricos (Fr. Bacon) — (Os da mão-esquerda), que sabem apenas empregar os símbolos como que usuais, onde uma crença superficial põe a significação… (comunicam por copia, etc) — Não sabem as grandes descobertas, as vezes estão mesmo em antagonismo com elas (Bacon c. Fludd, ou —), Jonson contra alquimia?)
Lá por isso do linga e do ioni disse eu; se o formos a ver así m, até aquela vela naquela palmatória…
— E porque não? disse o Desconhecido.
54 A 13 (m) O Desconhecido.
Exotéricas — Ciência.
Esotéricas — magia.
Herméticas —
Os esotéricos percebem a origem das coisas segundo a sua representabilidade do mistério para a alma humana. Os herméticos fora já de toda a compreensibilidade. Veem não já os símbolos mas as coisas. Para os gnósticos ainda a verdade aparece no seu símbolo vivo, não morto (como para os exotéricos). Para os herméticos é a verdade pura que é revelada.
53B-54 Rosa Cruz. (O Desconhecido)
Há três ordens de ciência: a da vontade, a da inteligencia, a da emoção. A intuição é a inteligencia da emoção. Mas a emoção pura — eis a ciência.
A ciência antiga era da casta dos sacerdotes. Os símbolos religiosos basilares — não confundir com acumulações sociais — são realmente conscientemente símbolos, produtos da consciente e ciente casta sacerdotal.
As magias: a deceptiva (prestidigitação).
O mistério (que é tudo) não é compreensível senão à emoção. A inteligencia não pode compreender o Mistério.
144D2 — 137 (m) O Desconhecido
Os herméticos, esotéricos e exotéricos
O exemplo da astrologia. As 3 maneiras. Duas crianças nascidas no mesmo lugar ao mesmo tempo. O como se faz a «diferença» é esotérico. O porquê é hermético.
Aparelho para cair prédios é esotérico. O como eles cairão, disporão das pedras no cair (nota do que acontece no fim) é hermético.
Exotérico — a ciência Esotérico — o ocultismo Hermético — o hermetismo
Todos os movimentos sociais, tudo no mundo está nas mãos dos herméticos. Todo o universo como o concebemos é criação dos Herméticos. Isto escapa à mais alta imaginação filosófica. Mas é como eu vos digo. Eu mesmo se vos digo isto, é que desconheço a vontade hermética de cuja existência apenas sei.
53B-54 (m) R. Cruz
«O fato», continuou o desconhecido, «é que tudo está mais complexamente ligado e interlógico do que se julga. Ou tudo deve estar relacionado e … ou então não: ou a lei ou o acaso deve reger tudo. O acaso não é… E se é a lei, porque há-de ela parar num ou noutro ponto, porque não há-de ela dominar tudo? Se a lei rege o movimento dos astros, porque não há-de ela reger o encontro tido por (b) casual de duas pessoas. Se os astros são elementos no trabalhar da lei, porque não o serão os sentimentos humanos.
Porque não hão-de as estrelas reger as vidas humanas e os seres humanos, e a hereditariedade e o meio também, e na mesma lei, que, por ser lei, há-de ser uma, i.e., por ser uma, deve ser a mesma sob a aparência diversa dela.
(b) V. dito
138-15 (Dt) O Desconhecido.
«Os exotéricos têm relações com os anjos, pela magia profunda dominam os espíritos, sabem a significação intima e vital dos símbolos, conhecem a matemática profunda em que assentam as almas, “falaram” com os demiurgos, lidaram com os princípios magicamente causais que estão entre Deus e o Mundo, conheceram Cristo na sua Figura Eterna e na sua Vera Physiognomia não-simbólica.
«Sim, observei, lívido, eles foram aqueles que sem dúvida viram Í sis sem véu.»
«Não só a Ísis viram sem véu, mas com sentidos espiritualizados no seu corpo ao Maior Principio viram frente a frente. Colheram o auxilio de Asmodeus, de Beelzebuth, de outros.
Agora escutai, disse o Desconhecido, baixando a voz que tomou de repente uma intonação de sombra, distante e ao mesmo tempo pavorosamente nítida. Escutai:
Pausou um momento. Depois, não sei se lentamente, mas tenho a impressão que sim, disse-me estas palavras assombrosas:
«Mas nada disso nunca existiu. Os espíritos, os deuses, as Vidas Supremas de que os símbolos falam, os demiurgos, os demônios, os espíritos todos — nunca existiram. São criações dos HERMÉTICOS para uso ilusório dos Esotéricos. Assim como estes só por símbolos não sempre certos dão noticia da sua fé e dos seus poderes aos Exotéricos, aqueles o fazem a eles. Deus mesmo não existe; Deus é uma criação ilusória dos HERMÉTICOS. Existe realmente e verdadeiramente para os Esotéricos, mas verdadeiramente não existe. O mistério é mais profundo do que julgais e de que os Esotéricos julgam. O Mistério É MAIS UNO E INDIVISÍVEL DE QUE DEUS E O ANJOS.
Um grande horror físico descera sobre mim. Eu não sabia para onde pudesse olhar que um terror pessoal não saísse desse objeto.
Quando ergui os olhos não havia ninguém no quarto, além de mim. O grande espelho fitava-me ocamente. Com mão tremula acendi o candieiro. A alegria humilde da luz derramou-se de repente pela sala. Não estava lá ninguém. Eu tinha sonhado então? Não podia determinar se sim, se não. Olhei em volta, cheio de um pavor que morava, rígido, nas minhas mínimas, sentidas, veias.
Mas nada de estranho no quarto. Nada?
Numa estante um livro saía para fora, parecia ir cair. Eu tive uma certeza inexplicável de que aquilo era anormal e estranho, de que (se bem que não tivesse reparado para a estante antes) aquele livro não estivera assim há talvez momentos. Quis ir em direção a ele mexer-lhe, mas um pavor tolheu-me. Por fim pude avançar.
Cheguei ao pé da estante, diante do livro, tirei-o para fora. Olhei-lhe para a capa. Era a Bíblia.
Num gesto rápido, como que decididor da minha sorte peguei na Bíblia e abri-a.
Não sei porquê um versículo foi a única coisa que imediatamente vi, como se o resto da pagina estivesse inteiramente branca. Foi esta, rigorosamente, a sensação que tive.
Abri e li: