Como pode ser visto nas passagens introdutórias do capítulo anterior, o sofrimento está inextricavelmente ligado à renúncia, tanto como causa quanto como resultado. No primeiro caso, entretanto, o homem é vítima do termo final de um processo cosmológico inexorável; no segundo caso, ele é ativo no sofrimento, que dessa vez é estritamente relativo e subordinado ao fim em vista, a saber, a liberação da tirania das vicissitudes e desequilíbrios aos quais ele, como indivíduo, está sujeito — portanto, a liberação do domínio do sofrimento em si, por meio da identificação ritual com os estados supraformais, que estão fora do domínio da mudança.

Se muito já foi escrito sobre o tema da renúncia, não é tanto porque a doutrina seja difícil de entender, mas porque a prática precisa ser incentivada. ‘O Senhor teu Deus é um Deus ciumento’ (Deuteronômio, VI. 15), e não permitirá associados, ídolos ou a adoração de qualquer coisa considerada boa, desejável ou real além Dele mesmo — Ele, que é infinitamente desejável em virtude de ser a Única Realidade que existe. O essencial a ser lembrado na renúncia é que nada real é perdido; cada retirada do mundo é uma apropriação em um plano mais elevado daquilo de que se retirou. Na retirada final não há mais eu, não há mais mundo — apenas o Vazio, o Real. Daí o paradoxo: quanto mais uma pessoa pode prescindir do mundo, menos ele pode prescindir dela, pois o centro pode prescindir da periferia, ao passo que uma periferia sem um centromanifestado ou não — é uma impossibilidade absoluta. Usando o mesmo padrão de analogia: “O desapego é possível sem renúncia, mas a renúncia não tem significado a não ser em vista do desapego” (Schuon: Perspectives spirituelles, p. 281).

A ilusão do desejo deve ser superada por meio do discernimento — a urgência por meio da renúncia. Mas é preciso estar desapegado de sua própria renúncia. (TTW)